Rômulo Saraiva

Advogado especialista em Previdência Social, é professor, autor do livro Fraude nos Fundos de Pensão e mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP.

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Você queria ser punido com aposentadoria de R$ 32 mil?

É imoral magistrados receberem como punição uma recompensa financeira

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O que você diria de ser punido com aposentadoria no valor de R$ 32 mil, em plena meia-idade e não precisar mais trabalhar na vida? Apesar da finalidade da aposentadoria ser normalmente proteção financeira contra contingências como doença, morte e velhice, curiosamente ela vem sendo desde 1979 aplicada em forma de sanção disciplinar a juízes que cometerem infração grave.

Às vezes nem é tão grave assim. Causa espanto que depois de tantas reformas da Previdência, que endureceram em todo o país as regras de aposentadoria de celetistas, servidores públicos e até militares, estes um pouco menos, a punição de juízes em forma de aposentadoria elevada siga incólume.

Se tem algo que a sociedade tem dificuldade de assimilar é como a legislação da magistratura brasileira pune infratores com aposentadorias altíssimas. A Loman (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), lei da época da ditadura militar, traz no rol de penas disciplinares a aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, cujos valores podem atingir até R$ 30 mil a 32 mil por mês.

O juiz Marcos Scalercio, aposentado compulsoriamente por abuso sexual - Marcos Scalercio no YouTube

Ao lado da demissão, a aposentadoria é considerada pena máxima. Para ser punido o juiz precisa ter cometido grande transgressão. Se ganhar aposentadoria em valor alto for punição, o que dizer do aposentado do INSS que na média nacional só consegue alcançar R$ 1.700,00 por mês? Ou no melhor cenário receber o teto de R$ 7.507,49, caso trabalhe por 40 anos e envelheça até os 65 anos (homem) ou 62 anos (mulher). Pela cartilha dos magistrados, uma aposentadoria nesses termos seria uma espécie de punição digna do purgatório.

Em tempo que se avolumam notícias de juízes punidos com a pena disciplinar da aposentadoria, nunca é demais lembrar o quão bizarra é essa regra da Loman persistir até hoje. Recentemente, dois juízes foram punidos com aposentadorias altíssimas, um sonho de consumo de qualquer trabalhador da iniciativa privada que pretende se aposentar pelo INSS. É verdade que o teto máximo aplicado aos servidores públicos é diferente dos celetistas. E, portanto, jamais um segurado do Regime Geral de Previdência Social receberia o mesmo teto do funcionalismo público. Mas chama a atenção o abismo social, financeiro e, sobretudo, moral que é a prática de usar aposentadorias elevadas como forma de sanção disciplinar.

Até porque a maioria esmagadora dos servidores, quando punidos, vai ter de quebrar a cabeça em averbar o seu tempo em outro regime previdenciário, inclusive sofrendo rebaixamento salarial conforme as regras do regime previdenciário escolhido. Quando a punição é a própria aposentadoria, como ocorre na magistratura, esta já sai garantida —sem precisar averbar em outro regime previdenciário ou sofrer depreciação por limite financeiro do que se pratica no INSS.

Na verdade, ao se fazer uma comparação com os outros regimes previdenciários, essa punição termina sendo um prêmio. Por meio dela é possível se aposentar precocemente, ter renda vitalícia, receber valor elevado, não precisar ter limitação ao teto máximo do INSS e ainda poder trabalhar em outra atividade, caso deseje.

A juíza da Ludmila Lins Grilo, 44 anos, foi aposentada compulsoriamente pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, com renda proporcional ao salário de cerca de R$ 33 mil. O ato disciplinar considerado grave foi o excesso de manifestações político-partidárias em redes sociais e críticas aos tribunais superiores.

Desembargador que apoiou Bolsonaro deu voto solitário à juíza aposentada compulsoriamente
Ex-presidente do TJ-MG, desembargador Gilson Soares Lemes, que fez campanha para Jair Bolsonaro, deu voto solitário a favor da juíza Ludmila Grilo - Pablo Valadares/Agência Câmara e Gladyston Rodrigues/EM

O juiz trabalhista Marcos Scalercio, 41 anos, do Tribunal Regional do Trabalho da 2º Região, em São Paulo, foi acusado assédio sexual e importunação sexual. Ele nega as acusações. O imbróglio gerou a punição de aposentadoria compulsória com renda proporcional ao salário de R$ 32 mil mensais.

Apesar de a aposentadoria conforme a Loman ser considerada pena disciplinar extremada, na prática verifica-se que ela é concedida em casos brandos ou em infrações incontestáveis. Mesmo usada em situações de grande impacto social, como assédio sexual, é de se refletir se o transgressor realmente será punido com tal recompensa financeira.

A disparidade entre o valor da aposentadoria dada aos juízes infratores e o sacrifício que a população em geral faz para se aposentar no INSS é discrepante. A maioria dos trabalhadores não consegue atingir o teto máximo no INSS, pois as regras atuais foram talhadas para que esse intento seja exceção.

Com o fim de acabar com essa distorção, tramita no Congresso Nacional o projeto de lei complementar 277/2020, de autoria do deputado José Nelto (PP-GO), que altera a Lei Orgânica da Magistratura Nacional para acabar com a possibilidade de magistrados serem compulsoriamente aposentados com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço após terem cometido falhas graves.

Embora a emenda constitucional 103, de 2019, tenha retirado da Constituição a possibilidade de aposentadoria compulsória como punição a juízes, ainda falta a lei federal ser alterada para evitar que o magistrado, mesmo afastado do cargo, tenha o direito de continuar recebendo a remuneração proporcional ao tempo de serviço.

É imoral que magistrados condenados pela prática de faltas disciplinares graves venham a receber como punição uma recompensa financeira que pode ser equivalente a mais de quatro vezes o teto do INSS, algo que é muito difícil de receber atualmente.

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