Rômulo Saraiva

Advogado especialista em Previdência Social, é professor, autor do livro Fraude nos Fundos de Pensão e mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP.

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Rômulo Saraiva
Descrição de chapéu Previdência X STF

INSS é o nosso Elon Musk brasileiro, mas sem tanta punição

Enquanto Elon Musk sofre sanções milionárias por descumprir decisão, o INSS vive desobedecendo prazos fixados pelo Tema 1066 do STF e muitas vezes fica por isso mesmo

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Nos últimos dias a atenção dos brasileiros foi sequestrada para o embate que Elon Musk protagonizou por descumprir decisão do ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal. O sul-africano Musk, proprietário do X (ex-Twitter), não assimilou bem o conceito de que decisão judicial deve ser cumprida. A teimosia está lhe custando uma multa de R$ 18 milhões, a interrupção dos seus serviços tecnológicos no país e os prejuízos consequentes. Tudo isso em virtude do descumprimento das decisões judiciais emanadas pela Suprema Corte.

Numa análise intimista, e espero que Elon Musk não seja assinante da Folha, a nossa Previdência Social vive descumprindo decisão judicial em todas as instâncias brasileiras, inclusive no STF, e muitas vezes sai ilesa por tal conduta insolente.

No caso de Musk, ele foi instado a indicar representante legal no Brasil para responder na investigação materializada na Petição 12.404 do Distrito Federal, em tramitação sigilosa. A rede social X está sendo acusada de expor dados pessoais, fotografias, ameaças e coações dos policiais e de seus familiares, em razão da atuação de delegados federais contra milícias digitais "na tentativa de golpe de Estado", relacionadas ao bloqueio de perfis criminosos.

Talvez pelo fato de ser estrangeiro e por ser a pessoa mais rica do mundo, Elon Musk resolveu desafiar a ordem judicial. Ciente dos riscos, anunciou que vai encerrar as operações do X no Brasil, assumindo o prejuízo e as implicações desse ato, a exemplo da multa até então avaliada em R$ 18 milhões. Valor inexpressivo se considerar sua fortuna estimada em R$ 7,5 trilhões, de acordo com a Bloomberg Billionaires Index.

Guardada as proporções, nós temos no Brasil o nosso Elon Musk numa versão institucional, mais pobre e menos afoita.

O INSS é useiro e vezeiro em descumprir decisões judiciais na estrutura do Poder Judiciário. Tudo bem que não tem a gravidade nem a conotação criminal de ser instrumento de propagar conteúdo impróprio, no contexto que o X vem sendo arrolado, ou incitar magistrados com provocações como fez Musk, ao fazer piada de "Alexandre Voldemort" ou recusar publicamente a cumprir determinações judiciais.

Fachada da Agência da Previdência Social em São Paulo - Rafaela Araújo/Folhapress

Mais discreto e sem pilherias, o Instituto costuma descumprir decisões de todas as estirpes e finalidades. São prosaicas situações de não conceder ou revisar o benefício, atrasar a implantação do pagamento ou vazar sistematicamente dados do Cnis (Cadastro Nacional de Informações Sociais), circunstância que viabiliza outros crimes, como empréstimos consignados fraudulentos ou descontos indevidos de associação previdenciária. Neste último caso, a justiça e Autoridade Nacional de Proteção de Dados já fixaram multa como sanção por o INSS infringir a Lei Geral de Proteção de Dados.

Para esse tipo de desobediência, os juízes possuem um remédio que mexe no bolso, cujo nome pitoresco é "astreintes" ou simplesmente multa. Funciona como método de coerção para compelir o cumprimento das obrigações de fazer, de não fazer ou de entregar (CPC, 536, § 1º). No caso, o problema é que não é qualquer coerção que amedronta o bolso do homem mais rico do mundo. Uma multa de R$ 18 milhões e encerrar a operação do X no Brasil não assombram tanto o empresário Elon.

Diferente dos motivos ideológicos e mercadológicos do bilionário, o INSS descumpre as decisões judiciais por desorganização, capital humano e falta de política administrativa coesa.

Embora seja possível a cominação de astreinte contra entidades de direito público (STF, RE-AgR 581352, Rel. Celso do Mello, 2ªT, 29.10.2013), os juízes costumam pegar leve com o INSS. É como se tivessem tolerância exagerada ou comiseração pelo fato de a autarquia acumular tantos problemas, além do fato de a multa ser paga com dinheiro dos "cofres públicos".

Curiosamente, o mesmo ministro Alexandre de Moraes, que deflagrou guerra contra Elon Musk por desobedecê-lo, foi quem assinou e homologou Termo de Acordo (Tema 1066) celebrado entre o INSS e representantes dos segurados para regularizar o atraso do atendimento nas agências previdenciárias, fixando prazos irreais e que são descumpridos rotineiramente, desaguando infinitamente no abarrotado Judiciário.

Foi o que aconteceu com o caso analisado recentemente por Francisco Falcão, ministro do Superior Tribunal de justiça. Ele se deparou com uma situação na qual o INSS demorou na implantação do Benefício de Prestação Continuada, deferido administrativamente e sem pagamento há mais de 90 dias. Inicialmente, o juiz fixou uma multa diária de R$ 500. Ao achar excessiva, o INSS recorreu e conseguiu sensibilizar os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que a reduziu com a seguinte fundamentação: "ante as dificuldades enfrentadas pelo quadro operacional do INSS, mostra-se razoável a redução da astreinte para R$100,00". Insatisfeito, o INSS recorre novamente ao STJ e assoberba ainda mais o Judiciário para tentar extinguir a sanção. Nos autos do Recurso Especial n.2.156.609-PE, o ministro Falcão negou.

Infelizmente, esse caso se repete aos milhares e nas diversas instâncias do Judiciário brasileiro, que em sua maioria tem sido complacente com a contumaz desobediência do INSS em cumprir as decisões judiciais, seja minorando ou extinguindo a multa. O X da questão não é apenas desobedecer determinação judicial, mas sobretudo quem o faz e como o faz.

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