Ronaldo Lemos

Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.

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Ronaldo Lemos

O exército dos R$ 20

Avaliações pagas fazem da internet uma mídia em que a espontaneidade está à venda

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A esta altura, muita gente já deve ter recebido alguma mensagem do tipo: "Trabalhe de casa e ganhe R$ 2.000 por mês".

Muitas dessas mensagens são golpes. Outras fazem parte de um sistema de contratação de trabalhadores avulsos para postar reviews positivos de produtos online, criando a impressão de que são genuinamente bem avaliados. Cada uma dessas avaliações pagas, feitas muitas vezes na forma de vídeos de um minuto de duração, gera até R$ 20 para a pessoa que é contratada.

O jornalista Gabriel Daros publicou na semana passada uma investigação sobre esse fenômeno no Brasil, na interessante plataforma chamada Rest of the World, que tem por objetivo justamente cobrir em inglês situações que ocorrem em países pouco visíveis nas mídias dos EUA e da Europa.

Homem de chapéu e roupa de fazendeiro colhe "likes" (polegar para cima de símbolo de gostei no facebook) de uma árvore
Fazendas de cliques - Catarina Pignato

Daros relatou que, através de plataformas como Vintepila, 99freelas e Vinteconto, é possível tanto ofertar como contratar serviços de "freelancers" para escrever avaliações pagas de produtos. De fato, essas plataformas estão cheias de pessoas se oferecendo para "gravar vídeos e outros tipos de depoimento para o seu produto". O grande valor desse tipo de marketing é justamente dar a impressão de autenticidade. Quem fala do produto não é uma celebridade. É gente "como a gente". Quanto mais espontâneo e natural for o depoimento ou vídeo, melhor.

Só que a espontaneidade tem limites. Daros relata que boa parte dessas ações é feita através de roteiros pré-elaborados pelo contratante. Muitas das pessoas que gravam vídeos ou escrevem depoimentos nem sequer tiveram contato ou usaram o produto. Outro problema é que esses reviews são publicados sem nenhum tipo de aviso de que se trata de conteúdo pago. Exatamente para não desfazer a impressão de espontaneidade.

Esse fenômeno é a ponta de uma transformação mais profunda. Na internet de hoje, é cada vez mais importante ocupar o espaço destinado aos "comentários". Não basta para empresas (nem para campanhas políticas) apenas produzir e postar conteúdos maravilhosos. Existe hoje a ambição de controlar o que se fala sobre o conteúdo postado. De nada adianta fazer um grande post de um produto ou serviço se logo abaixo dele há uma infinidade de pessoas falando mal.

É aí que entra esse "exército dos R$ 20". Pessoas e perfis fakes são recrutados por agências para ocupar os espaços abertos nas principais plataformas. Quando alguém coloca um comentário sobre alguma dessas marcas "gerenciadas", logo a pessoa é cercada por um exército de fãs fakes que se juntam para contestar a má avaliação e até mesmo atacar quem profanou a marca "gerenciada".

Se, para o comércio e os serviços, isso já é nocivo, para temas de interesse público, é pior ainda. Assim como um espelho de parque de diversões pode fazer alguém parecer mais alto ou mais magro, essas avaliações distorcem a verdadeira imagem dos produtos e serviços, moldando nossa percepção de acordo com a narrativa que os contratantes desejam que vejamos. Isso torna a internet uma mídia em que a espontaneidade está à venda. Converte a utópica "rede global" descentralizada que a internet deveria ser em uma mídia em que praticamente todos os espaços estão à venda. Tornando a confiança um bem escasso na rede hoje.

Reader

Já era Marketing focado apenas em campanhas de massa
Já é Marketing digital baseado em dados e comportamentos
Já vem Marketing social, que explora as dinâmicas sociais na internet

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