Ross Douthat

Colunista do New York Times, é autor de 'To Change the Church: Pope Francis and the Future of Catholicism' e ex-editor na revista The Atlantic

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Cenário que EUA deveriam querer na Ucrânia traz dilema da escalada nuclear

Espero que cúpula do governo americano esteja discutindo o que fazer na pior das possibilidades

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The New York Times

A semana passada trouxe um pouco de clareza para o nevoeiro da Guerra da Ucrânia: a importante data de 9 de maio, a comemoração da vitória da União Soviética sobre a Alemanha de Adolf Hitler, chegou e passou sem nenhuma mudança na estratégia russa.

Quando Vladimir Putin saiu para inspecionar os desfiles militares e mísseis balísticos intercontinentais, não houve uma declaração de pseudovitória nem um anúncio de escalada que colocaria toda a Rússia em pé de guerra e iniciaria o recrutamento em massa para o front.

Assim, o plano russo parece continuar o mesmo –prosseguir a guerra esmagadora no sul e no leste da Ucrânia, essencialmente abandonando o objetivo de mudar o regime em favor de manter um território que poderia eventualmente ser integrado à Federação Russa.

Escombros de escola na região de Lugansk, no leste da Ucrânia
Escombros de escola na região de Lugansk, no leste da Ucrânia - Yasuyoshi Chiba - 13.mai.22/AFP

Do ponto de vista dos EUA, isso parece uma justificativa estratégica. Apesar de certa fanfarronice imprudente sobre o papel americano na derrubada de alvos russos, aumentamos constantemente o apoio à Ucrânia –incluindo um pacote de US$ 40 bilhões (R$ 202,6 bilhões) que provavelmente será aprovado pelo Senado na próxima semana– sem provocar uma perigosa escalada da Rússia em resposta.

O risco de que uma guerra por procuração encoraje Moscou a rumar na direção de um conflito maior se manifestou nas constantes ameaças militares na TV estatal russa, mas não, até agora, nas escolhas reais do Kremlin. Putin obviamente não gosta de ver os armamentos americanos fluindo para a Ucrânia, mas parece disposto a lutar a guerra nesses termos, em vez de apostar em metas mais existenciais.

O sucesso americano, porém, gera novos dilemas. Dois cenários surgem para os próximos seis meses de guerra. No primeiro, Rússia e Ucrânia trocam território em pequenos incrementos, e a guerra gradualmente se esfria em um "conflito congelado", estilo conhecido de outras guerras nas proximidades da Rússia.

Nessas circunstâncias, qualquer acordo de paz duradouro provavelmente exigiria a concessão do controle russo sobre algum território conquistado, na Crimeia e no Donbass, se não a ponte terrestre entre eles, hoje mantida principalmente pelas forças russas. Isso daria a Moscou uma clara recompensa por sua agressão, apesar de tudo o que perdeu no decorrer da invasão. E, dependendo de quanto território fosse cedido, deixaria a Ucrânia mutilada e enfraquecida, apesar de seu sucesso militar.

Portanto, tal acordo pode parecer inaceitável em Kiev, Washington ou ambos. Mas então a alternativa –um impasse permanente sempre pronto para um retorno à guerra de baixa intensidade– também deixaria a Ucrânia mutilada e enfraquecida, dependente de fluxos de dinheiro e equipamentos militares ocidentais e menos capaz de se reconstruir com confiança.

E a frente unida pró-Ucrânia nos Estados Unidos já está se fragmentando um pouco devido à escala do que estamos enviando. Portanto, não está claro se o governo Biden ou o governo Zelenski seriam inteligentes ao investir numa estratégia de longo prazo para um conflito congelado que requer apoio bipartidário constante —e talvez em breve o apoio de um governo Donald Trump ou Ron DeSantis.

Há outro cenário, no entanto, em que esse dilema diminui, porque o impasse se rompe a favor da Ucrânia. Esse é o futuro que os militares ucranianos dizem estar ao seu alcance –no qual, com ajuda militar e equipamentos suficientes, consegue intensificar suas modestas contraofensivas e empurrar os russos de volta não apenas para as linhas anteriores à guerra, mas potencialmente para fora do território ucraniano.

Esse é o futuro que os EUA deveriam querer –exceto pelo detalhe extremamente importante de que é também o futuro em que a escalada nuclear russa de repente se torna muito mais provável do que é hoje.

Sabemos que a doutrina militar russa prevê o uso defensivo de armas nucleares táticas para virar a maré em uma guerra perdida. Devemos supor que Putin e seu círculo considerem a derrota total na Ucrânia um cenário de ameaça ao regime. Combine essas realidades com um mundo em que os russos estão de repente sendo derrotados, vendo seus ganhos territoriais evaporarem, e você terá a situação militar com mais sombras nucleares desde o bloqueio naval a Cuba em 1962.

Venho revirando esses dilemas desde que moderei recentemente um painel na Universidade Católica da América com três pensadores de política externa de centro-direita: Elbridge Colby, Rebeccah Heinrichs e Jakub Grygiel. Sobre a sagacidade de nosso apoio à Ucrânia até agora, o painel foi basicamente coeso.

Sobre a questão do fim da guerra e do perigo nuclear, no entanto, pudemos ver nossos desafios destilados –com Grygiel enfatizando a importância da recuperação do território no leste e ao longo da costa do mar Negro para a Ucrânia ser plausivelmente autossuficiente no futuro, enquanto Heinrich, mais agressiva, e Colby, mais cauteloso, discutiam qual deveria ser a nossa posição no caso de avanços rápidos ucranianos serem recebidos com um ataque nuclear tático russo. Essa pergunta não está imediatamente diante de nós; isso só se tornará um problema se a Ucrânia começar a obter ganhos substanciais.

Mas como estamos armando os ucranianos numa escala que parece destinada a possibilitar uma contraofensiva, espero sinceramente que uma versão do vaivém de Colby e Heinrichs esteja acontecendo nos níveis mais altos de nosso governo –antes que uma questão que hoje importa em debates acadêmicos se torne a questão mais importante do mundo.

Tradução de Clara Allain

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