Ross Douthat

Colunista do New York Times, é autor de 'To Change the Church: Pope Francis and the Future of Catholicism' e ex-editor na revista The Atlantic

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Guerra da Ucrânia entra em fase decisiva para determinar sua duração

Próximos meses devem mostrar quanto território Kiev pode recuperar e quão sombrio será inverno na Europa com corte de gás russo

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The New York Times

O verão da Guerra da Ucrânia, embora brutal para soldados e civis na linha de frente, foi vivido de longe como um impasse, deprimente o bastante em sua terrível mesmice para escapar das manchetes americanas por algum tempo.

Outono e inverno serão diferentes, trazendo respostas para as duas perguntas que determinarão a duração da guerra. Primeira: quanto território a Ucrânia pode libertar da ocupação russa? Segunda: quão sombrio e desesperado será o inverno europeu com o fornecimento de energia russo cortado e quais serão as consequências políticas?

Soldado ucraniano em pé sobre tanque militar russo abandonado na região de Kharkiv - Juan Barreto - 11.set.22/AFP

Estamos no início de ambas as histórias. A contraofensiva ucraniana, há muito prometida, está finalmente em curso —numa extremidade da linha de frente, um súbito e dramático impulso para o leste em torno de Kharkiv, e na outra um avanço mais lento em direção a Kherson, a única grande cabeça de ponte da Rússia a oeste do rio Dnieper. A ofensiva de Kharkiv aparentemente deixou os ocupantes desordenados, libertando cidades e territórios importantes e semeando decepção e fúria no lado russo.

Ao mesmo tempo, a resposta russa à coragem ucraniana e aos armamentos ocidentais está prestes a entrar em vigor. O gasoduto Nord Stream 1 está fechado, os líderes da Europa têm dificuldade para se preparar para um potencial aumento de US$ 2 trilhões nos custos de energia e todos tentam prever as consequências —de uma recessão superficial até uma "interrupção total" que ameace a desindustrialização, do apoio estoico à Ucrânia até uma rebelião populista.

Em tempos de guerra, há uma relação dinâmica entre os acontecimentos na frente de combate e a situação política atrás das linhas. Alguns pessimistas ocidentais, condicionados por anos de fracasso da elite, esperam que a frente interna europeia seja o teatro crucial, o lugar onde a arrogância agressiva gere uma rebelião interna contra um compromisso irrestrito com a Ucrânia.

Essa é certamente a esperança do presidente russo, Vladimir Putin, mas meu palpite é que a interação será no sentido oposto —que os acontecimentos no campo de batalha serão decisivos, determinando como a guerra é vivida politicamente na Alemanha, na França ou no Reino Unido do rei Charles 3º.

Se a Ucrânia continuar a fazer avanços militares, se a derrota completa da Rússia parecer possível, a Europa poderá suportar seu inverno de descontentamento sem uma rebelião contra a guerra. Por outro lado, se os avanços ucranianos pararem e a guerra parecer destinada a um impasse de vários anos, o establishment político ocidental será forçado a pressionar mais pela paz ou se verá pressionado por baixo.

Já havia boas razões para esperar progresso antes dos aparentes avanços ucranianos. Embora o governo de Putin pareça estar resistindo às sanções, Moscou não quer ou não pode lançar uma mobilização geral, tem dificuldades óbvias com munições e moral e a tradicional vantagem russa no combate de inverno não se aplica a uma situação em que os próprios russos são o poder invasor.

Portanto, é plausível imaginar um ciclo de feedback político-militar positivo, em que ganhos consistentes da Ucrânia reforçam a determinação europeia e levam a aliança de fato a atravessar o inverno para um 2023 melhor.

Mas há uma série de cenários dentro desse futuro esperado, e cada um apresenta dilemas em que realismo e pessimismo podem ser tão importantes quanto otimismo e determinação. No melhor cenário militar, onde os russos acabam se retirando desordenadamente das linhas de frente atuais, o perigo é que o desespero empurre Moscou para a insensatez nuclear —especialmente diante da postura estratégica russa que prevê o uso de armas táticas para reverter derrotas em batalha.

Como os EUA aprenderam a próprio custo na Guerra da Coreia, quando o avanço americano para o rio Yalu sofreu uma inesperada intervenção chinesa, a questão de até onde um Exército vitorioso deve avançar não é fácil —seja na Crimeia ou no Donbass, pode haver uma linha perigosa de cruzar.

Alternativamente, há um cenário em que uma contraofensiva ucraniana tem certo sucesso, mas ainda fica muito aquém das linhas de controle pré-guerra. Por exemplo, os ucranianos podem empurrar os russos de volta para o Dnieper, libertando Kherson, mas serem incapazes de recuperar território no lado leste do rio.

Nesse tipo de situação, com vitórias seguidas de um retorno ao impasse, os argumentos para a busca de um cessar-fogo seriam fortalecidos —não por algum otimismo sobre Moscou como parceiro na paz, mas para manter o apoio ocidental de forma sustentável e equilibrada e dar à Ucrânia espaço para a recuperação econômica e demográfica.

Ao longo da guerra, as políticas imediatas dos falcões ucranianos foram geralmente justificadas, mesmo que sua estratégia a longo prazo tenha permanecido mais duvidosa. Esta provavelmente será a temporada em que essa lacuna se fechará, quando o especulativo se tornará realidade e aprenderemos mais sobre o que significará a guerra a longo prazo.

Nesse caso, devemos esperar tanto por rápidos avanços ucranianos quanto por sabedoria, cuidado e cautela acompanhando as vitórias que eles possam obter.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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