Ross Douthat

Colunista do New York Times, é autor de 'To Change the Church: Pope Francis and the Future of Catholicism' e ex-editor na revista The Atlantic

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Ucrânia deve ser pressionada pela adoção de estratégia mais realista e menos ambiciosa

Apesar de êxitos defensivos, não está claro que Kiev conseguirá recuperar áreas significativas do território

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The New York Times

Funciona na prática, mas e na teoria? Ao longo dos anos tenho ouvido essa paródia de pomposidade acadêmica atribuída a vários alvos, de intelectuais franceses a economistas da Universidade de Chicago.

Recentemente, porém, comecei a pensar isso —em relação ao lado mais militarista no debate sobre a Guerra da Ucrânia, lado esse cujas políticas práticas vêm obtendo resultados favoráveis até agora, mas cujas teorias mais profundas sobre o conflito ainda parecem implausíveis, impraticáveis ou perigosas.

Antes da guerra, não era linha-dura em relação à Ucrânia. Achava que os EUA assumiram compromissos demais com sua porta semiaberta à entrada na Otan e que o leste da Ucrânia, pelo menos, não poderia ser defendido contra uma agressão russa sem um engajamento militar americano em escala plena.

Enviar armas a Kiev provavelmente fazia sentido, mas como um meio para dificultar o avanço de uma incursão russa, não de barrá-la por completo. E um colapso ucraniano do tipo que vimos ocorrer com nosso governo cliente no Afeganistão parecia uma possibilidade.

Homem empurra bicicleta próximo a prédio destruído em Kiev, na Ucrânia
Homem empurra bicicleta próximo a prédio destruído em Kiev, na Ucrânia - Aris Messinis - 21.mar.22/AFP

A própria guerra vem desafiando essas expectativas. Ficou comprovado que os militaristas tinham razão em relação à simples capacidade da Ucrânia de lutar. Eles estavam certos quando previram que armas americanas poderiam ajudar a mitigar uma invasão, não só criar uma insurgência atrás de suas linhas.

E sua interpretação psicológica do presidente russo, Vladimir Putin, também se mostrou parcialmente correta: as escolhas indicam que ele é um homem motivado tanto pelo desejo de restauração imperial quando por uma atitude defensiva anti-Otan, e o modo como conduz a guerra oferece poucas evidências de que uma paz estável e permanente seja possível, mesmo com eventuais concessões da Ucrânia.

Logo, na área da política prática até agora, aderi aos militaristas. O apoio militar vem funcionando: protege uma nação soberana e enfraquece seu rival sem assistir a uma escalada perigosa do lado russo. E, por enquanto, com a Rússia continuando a lançar ofensivas e evitando a mesa de barganhas na maior parte do tempo, não há nenhuma "rampa de saída" evidente para a paz que deveríamos forçar Kiev a seguir.

Mesmo assim, quando leio as teorias mais amplas de comentaristas da linha-dura, suas ideias sobre a visão estratégica dos Estados Unidos e que espécie de desfecho deveríamos procurar para a guerra, ainda me vejo perplexo com a confiança e o absolutismo deles.

Por exemplo, apesar de todos seus êxitos defensivos, ainda não está claro que as forças ucranianas conseguirão recuperar áreas significativas de território no sul e no leste do país.

Mesmo assim, temos Anne Applebaum, da Atlantic, insistindo que só uma derrota e até a "humilhação" de Putin podem restaurar a estabilidade europeia. E, na mesma revista, Casey Michaels lança um chamado pelo desmantelamento da Federação Russa, um processo descrito como a "descolonização" do império russo remanescente, que seria a única política capaz de trazer uma paz duradoura.

Ou ainda, os Estados Unidos reservaram um montante extraordinário para apoiar a Ucrânia —muito mais do que gastamos com assistência ao Afeganistão em qualquer ano recente, por exemplo—, e nossa ajuda equivale a mais ou menos o triplo do que foi oferecido pela União Europeia.

No entanto, quando o conselho editorial do New York Times questionou a sustentabilidade desse apoio, a resposta de muitos "falcões" em relação à Ucrânia foi um furioso "como vocês se atrevem?" —com ênfase, para citar Benjamin Wittes, do Brookings Institution, sobre o direito absoluto da Ucrânia de lutar "até cada centímetro de seu território estar livre"; sobre o papel estritamente "modesto" e "consultivo" dos EUA na tomada de decisões da Ucrânia; e sobre a importância de estender a Kiev, se não um cheque em branco, pelo menos "um cheque muito grande, com outros a seguir".

Todas essas teorias parecem confundir o que é desejável com o que é provável –e o que é moralmente ideal com o que é estrategicamente alcançável. Já escrevi previamente sobre os riscos de escalada nuclear no evento de um colapso militar russo, um risco que as teorias militaristas subestimam.

Mas, dado o estado atual, um cenário mais provável é um em que o colapso russo ainda não passa de fantasia agradável, em que o conflito vira um atoleiro congelado e em que somos obrigados a colocar nossa política ucraniana sobre uma base sustentável sem afastar Putin ou desmontar o império russo.

Nesse cenário, nosso plano não pode consistir em continuar a preencher cheques incontáveis e ao mesmo tempo pisar sobre ovos com os ucranianos e deixar que eles ditem as finalidades para as quais nossas armas são usadas. Os Estados Unidos são uma potência hegemônica global envolvida em conflitos e que enfrenta ameaças mais significativas que a Rússia.

Também é um país internamente dividido e liderado por um presidente impopular cujas maiorias podem estar prestes a entrar em colapso político. Portanto, se Kiev e Moscou se encaminham para um conflito congelado que vai se arrastar por vários anos ou mesmo décadas, precisamos pressionar a Ucrânia a adotar uma estratégia militar mais realista, não sua estratégia mais ambiciosa. E, com urgência igual, precisamos transferir parte do ônus de apoiar Kiev para aliados europeus.

Esses objetivos são compatíveis com o que fizemos até agora e, obviamente, podem ser adaptados se oportunidades melhores surgirem de repente. Mas uma boa teoria estratégica precisa supor dificuldades, desafios, limites. O perigo é que as conquistas práticas obtidas por nossa política militarista incentivem o tipo oposto de pensamento, uma arrogância que deixe a perder nosso sucesso ainda provisório.

Tradução de Clara Allain 

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