Em "Os Reis do Ié-Ié-Ié", o filme que revelou os Beatles para o mundo em 1964, o diretor Richard Lester intercalou as louquíssimas primeiras sequências, em que o grupo foge das fãs, com takes de um homem tentando abrir uma caixinha de leite comprada numa máquina de rua. O homem é o ator Norman Rossington, veterano do cinema inglês. Na época, não entendíamos por que ele entrava e saía de cena tentando estraçalhar com os dentes uma caixinha, fazendo uma lambança com a embalagem e o líquido. Era uma crítica aos novos tempos. As pessoas agora comiam no meio da rua.
No Brasil não tínhamos esse hábito, exceto talvez por um sorvete ou picolé. Nem havia muita coisa pronta que se pudesse comer na rua. Mastigávamos de pé o misto quente do Bob’s, mas encostados ao balcão, assim como o prato de angu do Gomes na praça 15, ao lado da carrocinha. Não se saía pela calçada andando e enchendo o bucho. Veja bem, esta não é uma crítica, já que nós, os garotos dos anos 60, aqui no Rio, talvez tenhamos sido os primeiros a fazer isto, ao levar para comer na areia o cachorro-quente comprado no trailer do Geneal estacionado em frente à praia.
Não se troca impunemente o que se come com garfo e faca, numa mesa com toalha xadrez, por algo que escorre entre os dedos enquanto atravessamos a rua. A primeira consequência é que ficamos menos exigentes com o que comemos. A segunda é que passamos a comer errado.
Segundo pesquisa recente da UFMG, o feijão deixará de ser em 2025 o prato forte do brasileiro, derrotado pelo combo gordífero de cheeseburger, Coca-Cola e batata frita. O que nos tornará um país de obesos ---algo, aliás, já visível a céu aberto, sem necessidade de balanças ou pesquisas.
A volta do feijão exigiria uma reeducação em massa da população. Como é impossível comê-lo em movimento, no metrô, no estádio ou no show de rock, ele está sendo abandonado.
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