Samuel Pessôa

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.

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Samuel Pessôa

China, sinais consistentes de desaceleração

Parte do resultado deve-se à dificuldade do governo chinês em criar nova estratégia para conviver com a Covid

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A China representa um capítulo adicional do modelo de crescimento asiático. A associação de economia de mercado com muito esforço de acumulação –longas jornadas de trabalho, elevadíssima qualidade da educação pública e muita parcimônia no consumo– gera economias que conseguem em algumas décadas transitarem da pobreza para a renda elevada.

Marx chamaria esse modelo de acumulação primitiva. Uma ou duas gerações pagam um custo imenso em contenção de consumo, esforço de trabalho e estudo, para legar a seus netos um país de primeiro mundo.

O modelo asiático de crescimento consegue gerar níveis de produtividade do trabalho de no máximo 80% da produtividade americana. A partir desse nível as economias perdem dinamismo e passam a crescer no mesmo ritmo da economia líder. Note que esse desempenho está longe de ser ruim.

A bandeira nacional chinesa, em frente à construção de um novo complexo residencial em Pequim - Kim Kyung-Hoon/Reuters

Sempre achei que o crescimento da China tem fôlego longo e que os primeiros sinais de perda de desempenho ocorreriam bem mais à frente. Hoje a produtividade do trabalho da China é da ordem de um terço da americana.

Também nunca acreditei que uma crise de crédito pudesse dificultar a trajetória chinesa. Em um governo ditatorial, os formuladores de política econômica têm instrumentos e discricionariedade para responder rapidamente a uma crise de crédito e evitar que se torne sistêmica.

Assim, o único limitador para a continuidade do crescimento chinês seria que o processo, a partir de algum momento, apresentasse sinais de queda do crescimento da produtividade. Devido à elevada qualidade do sistema público de educação, sempre me pareceu que esse momento ficaria para daqui algumas décadas.

No entanto, há sinais de que a capacidade de crescimento da China se reduziu. Como sempre, em momentos de possível mudança de regime é muito difícil separar a conjuntura de dinâmicas estruturais.

Parte apreciável da desaceleração da China deve-se à dificuldade do governo chinês em criar uma nova estratégia para conviver com a Covid. De certa forma, sequestrado pelo enorme sucesso que teve no período mais agudo da epidemia, o governo insiste em uma política de Covid zero. Está com muita dificuldade em reconhecer que a epidemia virou endêmica.

Adicionalmente, desde setembro do ano passado, em resposta ao aperto regulatório em setembro de 2020, o setor imobiliário tem representado forte vento de proa para a atividade chinesa.

No entanto, parece haver sinais de que a demanda não se recupera. Os indicadores de confiança dos consumidores estão nas mínimas desde pelo menos 2006. Desde 2008 a confiança dos consumidores com relação a ganhos de renda futura tem decrescido e, consequentemente, o desejo de aumentar as poupanças tem crescido.

Todos esses fatos desaguam em baixíssimo crescimento do varejo. Tem rodado no mesmo nível de dezembro de 2019.

A resposta da política monetária, fruto da carência de demanda, tem sido rápida. As taxas de juros estão nas mínimas históricas. Em torno de 1,4% nominal e pouco abaixo de -1% real.

Assim, talvez a China esteja em meio a um equilíbrio com carência de demanda agregada e será necessário que os formuladores de política econômica revejam seus modelos mentais. É necessário que os benefícios do estado de bem-estar, principalmente a aposentadoria, sejam muito menos avarentos.

Esse passo a economia japonesa ainda não conseguiu dar. Parece que a China vai pelo mesmo caminho, de forma prematura em comparação ao Japão.

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