Samuel Pessôa

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.

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Samuel Pessôa
Descrição de chapéu Congresso Nacional

Desoneração da folha não sobrevive a uma análise de custo-benefício

Inequivocamente, a política não funcionou

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A novela da desoneração da folha continua. No fim do ano passado, o governo enviou uma medida provisória que cria um cronograma de desmame da desoneração.

A MP é explícita em estabelecer seus efeitos somente a partir de 1º de abril: há tempo de o Congresso Nacional se pronunciar. Não houve por parte do Executivo a intenção de passar um trator sobre o Legislativo.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad - Ueslei Marcelino - 28.dez.2023/Reuters

Quanto ao mérito, trabalho recente e ainda não publicado de Erick Baumgartner, Raphael Corbi e Renata Narita —"Payroll tax, employment and labor market concentration"— documenta os seguintes fatos a respeito da desoneração da folha de salários: 1) ela cria empregos; 2) não há elevação dos salários; 3) aumenta o lucro das empresas; 4) é uma forma muito ineficiente de criar empregos, dado que cada emprego criado custa R$ 85 mil de renúncia fiscal e 5) evidentemente, piora as contas públicas.

Inequivocamente, a política não funcionou. Ela não sobrevive a uma análise de custo-benefício.

Um dos maiores problemas da formulação de políticas públicas no Brasil é que, simultaneamente à implementação da medida, cria-se um grupo de pressão no Congresso Nacional que irá defender a política, independentemente do mérito.

Há uma característica na democracia brasileira —nenhum cientista político conseguiu até hoje me explicar os motivos de sermos assim— que nos torna muito mais vulneráveis à ação dos grupos de pressão do que outras democracias.

Pequenos grupos organizados conseguem criar ou manter políticas que atentam contra o interesse coletivo em razão de seu interesse menor.

Assim, o esforço e a insistência do ministro Haddad estão corretos: a MP defende o interesse difuso.

Há uma alegação de que as empresas não tiveram tempo para se ajustar. Que o fim da desoneração da folha é muito abrupto.

A alegação não procede, no meu entender: as empresas sempre souberam que no dia 31 de dezembro de 2023 a desoneração da folha iria terminar. Elas não se prepararam. Acharam melhor fazer lobby no Congresso Nacional pela renovação da desoneração.

Essa prática será eterna. A desoneração sempre terá uma data para terminar, as empresas nunca se prepararão para o fim da política.

Quando a data de término da política se avizinha, elas chantageiam o Congresso com a alegação de que não conseguem sobreviver no regime que vale para todos os demais setores.

O ideal é que o Congresso reabra o tema, faça algumas audiências públicas para avaliar o mérito da questão e negocie com o setor privado um cronograma de saída dessa política pública.

Isto é, em vez de haver uma data para acabar, haver um cronograma de redução em alguns anos do subsídio aos 17 setores hoje beneficiados. Assim haverá uma transição suave, sem choques maiores na rentabilidade dos setores.

O leitor João Vergílio Gallerani Cutter fez o seguinte comentário à coluna da semana passada, sobre o México:

"Seria interessante estudar casos de países que conseguiram romper a barreira da renda média nos últimos 50 anos em ambiente democrático. Disseminou-se a impressão de que a democracia impede a ultrapassagem dessa barreira. Países de renda média e grande desigualdade convivem com uma tensão social que condiciona a obtenção de votos a concessões que nos fazem marcar passo. De tempos em tempos vem a crise, ajeitam-se as coisas, mas logo em seguida as concessões se impõem. Como sair disso?".

Ocorrem-me Chile, Botsuana, Portugal, Espanha e Indonésia. Os três primeiros são muito pequenos. Os dois ibéricos se beneficiaram muito da Comunidade Econômica Europeia.

A Indonésia ainda tem uma renda per capita 20% menor do que a nossa, apesar de estar nos alcançando: em 2000, era 50% menor. Na macroeconomia, a grande diferença em relação a nós é ter menor carga tributária, gasto público e dívida pública e maior poupança doméstica: 30% do PIB ante nossos 16%. Vale aprofundar.

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