Sérgio Rodrigues

Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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Sérgio Rodrigues

Sobre a simetria

Ela nos dá a sensação de ordenar o mundo, mas pode ser enganadora

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Nosso olhar ama a simetria, que identificamos com a ideia de harmonia, ordem e beleza. O assimétrico, que pode até parecer monstruoso, costuma ser no mínimo meio perturbador. O próprio corpo humano é simétrico, dividido longitudinalmente em duas metades que se espelham.

A palavra vem, via latim, do grego “symmetria”, que associa a ideia de “syn” (junto) com a de medida. É, portanto, um vocábulo aparentado da sinfonia, da simpatia e da simbiose, termos em que se unem respectivamente sons, sentimentos e vidas. 

Talvez seja inevitável transpor para o reino das abstrações mentais aquilo que tem tanta força no plano material. Ao agrupar nossas ideias simetricamente, temos a sensação confortável de ordenar e compreender o mundo. Isso é bom, mas só enquanto não induz erros de percepção.

Agora que Lula deixou a prisão, volta a ganhar força no debate político a ideia de que o líder petista compõe com Jair Bolsonaro um tableau dividido em duas metades espelhadas, uma o exato oposto da outra e ambas tendentes às extremidades do quadro.

Luiz Inácio Lula da Silva em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, após deixar a prisão
Luiz Inácio Lula da Silva em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, após deixar a prisão - 09.nov.2019 - Ueslei Marcelino/REUTERS

Será que Lula fora da cadeia vai acirrar a polarização, favorecer a radicalização, quem sabe acabar dando a Bolsonaro o pretexto golpista que ele e seus filhos ansiosamente aguardam, dedos coçando no gatilho? 

A resposta ainda não está clara, mas uma coisa parece certa: com Lula preso, demos uma bela desandada como civilização. Isso não quer dizer que o maior líder popular do país seja inocente, mas significa reconhecer que jogaram sujo com ele. 

Vaza-jato à parte, só o fato de Lula ter sido condenado pelo futuro ministro da Justiça de seu maior rival já é feio o bastante. Um despautério desses não passaria batido em nenhum país decente do mundo. Aqui passou, o que prova que ainda não somos um país decente. 

Ocorre que, com Lula na cadeia, éramos um pouco menos decentes do que hoje —e por enquanto a coluna, que começou por tratar de estética, está falando mais de moral que de política.

Na última semana o Brasil virou um lugar um pouco menos torpe, um pouco menos repulsivo aos olhos do mundo. 

O que virá agora é outra história. A tese da simetria é cultivada sobretudo por gente que, não se sentindo representada por nenhum dos lados, gostaria de quebrar a dinâmica da polarização que marcou a última eleição presidencial e que promete marcar a próxima, se próxima houver.

No entanto, se a polarização parece por ora inevitável num país em que todas as vozes intermediárias soam débeis —isso quando não ficam em silêncio mesmo—, a ideia de equivalência entre as partes estridentes é de uma falsidade óbvia a qualquer sensibilidade democrática. 

Que simetria é essa em que de um lado temos um grupo político manifestamente golpista e até debochado com as regras do jogo, que fala em virada de mesa como se falasse de um piquenique, e do outro...

Bem, do outro lado está um grupo que, embora tenha maculado suas boas obras com um show de arrogância e corrupção, nunca ameaçou as instituições —nem quando, montado numa popularidade de mais de 80%, Lula teria um cacife e tanto para brigar pela PEC do terceiro mandato.

É verdade que esquerda e direita rejeitam a ideia de simetria proposta pelo centro, mas o fazem com argumentos, bem, simétricos —o de que o outro time é pior. 

De todo modo, parece claro que interessa estrategicamente a ambos os lados essa arquitetura em que a catedral tem duas torres espelhadas e nada mais.

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