Sérgio Rodrigues

Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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Bolsonaro é genocida ou não é?

O que o leitor deve saber para se situar no debate vocabular do momento

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Uma coluna dedicada às palavras não poderia fugir do debate vocabular do ano, provavelmente da década, talvez até do século: afinal, Bolsonaro é genocida?

Felipe Neto acha que sim, e por isso foi objeto de uma queixa-crime por calúnia movida com base na Lei de Segurança Nacional, herança da ditadura militar, por um dos filhos do presidente, o vereador Carlos.

Como o vereador costuma falar em nome do pai, é legítimo supor que Bolsonaro não goste de ser chamado de genocida. O que é digno de nota, pois outros termos duros a ele associados nas redes, como “miliciano”, “assassino” e “psicopata”, nunca provocaram tal reação.

A ação contra Neto fez “genocida” disparar na biosfera digital. Nos últimos dias, enquanto o número diário de mortos no país explodia rumo aos 3.000, o uso do adjetivo crescia junto.

Há mesmo sinais de que estamos naquele ponto da história em que os bois ganham nomes definitivos. “Bolsonaro genocida” pode estar se garantindo como rótulo futuro na testa de Jair —seja pertinente ou não de um ponto de vista, digamos, lexical.

Mas Bolsonaro é genocida ou não é? Nos próximos parágrafos tentarei dar algum contexto histórico à palavra —que é relativamente jovem, nascida há menos de 80 anos— para que o leitor chegue às suas conclusões.

Genocídio tem paternidade reconhecida. O primeiro a usar o termo —ou pelo menos a registrá-lo em livro, em 1944— foi o advogado Raphael Lemkin, judeu polonês refugiado desde 1941 nos EUA.

Antes do Holocausto que matou 6 milhões de judeus, Lemkin já era um estudioso do que até então tinha nomes genéricos, como massacre, no dicionário dos crimes político-sociais: a perseguição sistemática que busca a aniquilação de um povo.

Como a dos nativos das Américas pelos colonizadores europeus nos últimos cinco séculos. Ou a dos armênios pelos turcos há cerca de cem anos, abre-alas de um século rico em genocídios.

A falta do direcionamento homicida contra uma etnia, no caso de Bolsonaro, é o argumento central de quem acha impróprio chamá-lo de genocida. Faz sentido em parte.

As ações e omissões com que o presidente boicota há um ano o combate à pandemia o tornam responsável por uma fração indefinida, mas certamente polpuda, das quase 300 mil mortes que desgraçam o país. Mas não discriminam grupos: todo brasileiro está em perigo.

Ocorre que palavras não têm sentidos parados no tempo. Costumam deslizar semanticamente, inclusive para expressar cargas de indignação que outros termos já não abarcam —algo que parece ser a grande motivação do “Bolsonaro genocida”.

Outro problema com o argumento contrário à expressão é sua justificativa moral disfarçada de rigor intelectual —a de que o termo estaria sendo, desse modo, “banalizado”.

Um mal parecido com o que acomete há décadas as palavras fascista e comunista, que viraram xingamentos políticos pastosos ou mesmo inteiramente vazios.

Bom, esse me parece um risco que vale a pena correr. Se um dia o Brasil vier a ter um líder pior que Bolsonaro, um genocida na acepção pura e academicamente chancelada do termo, debates semânticos desse tipo serão o menor dos nossos problemas.

Entende-se que o presidente brasileiro não queira ser confundido com genocidas de carteirinha como Hitler, Stálin, Kemal Atatürk e Pol Pot. O diabo é que a recíproca deve ser verdadeira também: duvido que esses caras gostassem de ser confundidos com Bolsonaro.

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