Sérgio Rodrigues

Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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Sérgio Rodrigues
Descrição de chapéu Tóquio 2020

Palavras em disputa

Olimpíada é o intervalo entre os Jogos ou só outro nome que eles têm?

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Não se trata de um esporte olímpico, mas sempre há quem tente abiscoitar uma medalha corrigindo o semelhante da raia ao lado. A defesa agressiva de teses falsas como “aluno quer dizer sem luz” ou “o certo é quem tem boca vaia Roma”, tema da última coluna, é só uma das modalidades dessa competição linguística.

Outra que tem grande número de adeptos é a que se poderia chamar de criogenia semântica, também conhecida como purismo. Trata-se de congelar o sentido de uma palavra em alguma época remota e condenar o uso feito por todo mundo das gerações posteriores —ou seja, todo mundo mesmo— que não compartilhe de entendimento tão estrito.

A palavra “olimpíada(s)” é um caso típico. De quatro em quatro anos (a pandemia quebrou a regularidade desta vez, sem alterar o mérito da coisa), ouvem-se argumentos semelhantes a este: “Olimpíadas de Tóquio? Nada disso, o certo é Jogos Olímpicos de Tóquio. Olimpíada é apenas o tempo decorrido entre uma edição e a outra dos Jogos”.

Embora pontos de vista como este estejam condenados a sucumbir perante a dinâmica da língua —que sempre irá para onde o conjunto dos falantes a quiser conduzir—, o argumento pode impressionar. A mistura de verdadeiro e falso que o caracteriza faz com que seja bem mais desafiador do que a simples defesa de maluquices tiradas de trás da orelha, como “risco de vida está errado”.

A parte verdadeira é que o sentido original de olimpíada é mesmo o de medida de tempo. O português foi buscar a palavra (no século 16) no latim “olympiadis”, termo derivado do grego que significava período de quatro anos completos.

Na origem dessa acepção estava o intervalo entre os jogos que começaram a ser disputados no século 8 a.C. na cidade grega de Olímpia. Tais festejos esportivos não eram os únicos do gênero na Antiguidade, mas foram os que ganharam mais fama e, em fins do século 19, serviram de inspiração para o francês Pierre de Coubertin, pai da era olímpica moderna.

A parte falsa é uma omissão, a de que o sentido cronológico da palavra olimpíada é hoje pouco mais que uma curiosidade. Tem valor histórico e sobrevive em estado de dicionário, mas praticamente desapareceu da língua que se fala na vida real.

Não é de agora que é assim. Um dicionarista clássico como o português José Pedro Machado já registrava, em seu dicionário etimológico, como primeira acepção de “olimpíade” (grafia alternativa, praticamente abandonada): “celebração dos jogos olímpicos”.

O Houaiss e o Aurélio também trazem a palavra como sinônimo de jogos olímpicos, cumprindo uma obrigação da qual não poderiam fugir, considerando-se seu uso maciço em tal acepção —o mesmo uso que prefere a inicial maiúscula e (como a Folha acaba de reconhecer em seu Manual de Redação) o plural, Olimpíadas.

Goste-se disso ou não, línguas têm um dinamismo de ginasta. Se pudessem ser congeladas, talvez a palavra atleta fosse um sinônimo de brigão. Era esse o sentido original do latim “athleta”, segundo o referencial dicionário Saraiva: lutador, valentão. A predileção dos jogos olímpicos da Antiguidade pela luta, pelo embate físico direto, explica isso.

Ocorre que a palavra atleta não ficou restrita ao berço —palavras quase nunca ficam. Tendo se tornado um sinônimo de praticante de qualquer tipo de esporte, pode ser aplicada a quem, no corpo e na alma, é a própria antítese do valentão, como Rayssa Leal.

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