Sílvia Corrêa

É jornalista e médica veterinária, com mestrado e residência pela Universidade de São Paulo.

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Sílvia Corrêa
Descrição de chapéu Homem na Lua, 50

Cientistas seguem em busca da influência da Lua sobre a vida na Terra

Impacto no comportamento de muitos animais já está documentado, mas nada se comprovou sobre a espécie humana

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Sabe aquelas pedrinhas que temos dentro da orelha e que ajudam no equilíbrio e na audição? Pois os tais otólitos de carbonato de cálcio acabam de sugerir a influência da Lua sobre o crescimento dos bebês —mas não de bebês humanos (pelos menos, não por enquanto).

A descoberta vem dos mares da Nova Zelândia e mostra como a ciência segue fascinada pela influência da Lua sobre a vida na Terra e determinada a dimensionar esse impacto.

O caso em questão envolve peixinhos que passam os primeiros 52 dias de vida em mar aberto antes de se fixarem nos recifes, povoados por predadores. Sabe-se agora que eles guardam um verdadeiro arquivo dessa infância nas pedrinhas que têm dentro das orelhas.

​Os otólitos se formam por camadas que se depositam de forma concêntrica, uma a cada dia, acompanhando o ritmo de crescimento do animal. Nos dias em que o peixe cresce mais, a espessura da camada de carbonato de cálcio fica maior.

 

É exatamente como acontece com os anéis de crescimento nos troncos das árvores, que ficam mais largos em períodos quentes e úmidos. Pensando nisso, Jeff Shima, ecologista da Universidade Victoria de Wellington, e Stephen Swearer, biólogo da Universidade de Melbourne, analisaram os otólitos de 300 peixes e cruzaram os dados com informações meteorológicas. Concluíram que as larvas crescem mais rápido em noites claras. Quando a luz refletida pela Lua está encoberta por nuvens, o crescimento é menor.

Não se sabe exatamente por que isso ocorre. A principal hipótese dos pesquisadores é que, nas noites enluaradas, que chegam a ser 16 vezes mais claras do que as outras, os prováveis predadores dos peixinhos se escondem dos animais maiores e, assim, permitem que as larvas se alimentem melhor.

No começo do ano passado, o mesmo Shima viu um efeito semelhante do luar quando os peixes estão prontos para retornar ao recife. Constatou que 75% chegam às rochas durante a escuridão da Lua nova, ainda que para isso tenham que ficar mais dias em mar aberto. Novamente a hipótese tem a ver com os predadores: nesse caso, o deslocamento nas noites mais escuras teria a intenção de dificultar que os jovens peixes fossem abocanhados antes de alcançar os recifes.

Os estudos de Shima se somam a muitos outros que já estabeleceram de forma bastante evidente o impacto da variação da luz refletida pela Lua nos hábitos de caça, reprodução e movimento de muitas espécies de animais. Em contrapartida, quase nada se comprovou acerca dessa mesma influência sobre o comportamento e a saúde da espécie humana.

Nos anos 1980, o cabeleireiro Djélani Maachi passou a abrir seu salão, em Paris, das 22h às 6h na primeira noite de Lua cheia. Sustentava que os fios aparados naquela madrugada cresciam 2 centímetros ao mês —o dobro do que se espera habitualmente. A jogada deu a Maachi fama e dinheiro, mas a ciência nunca confirmou essa hipótese.

Não só pelos cabelos, a Lua sempre foi fortemente associada às mulheres. Os 28 dias de duração do ciclo mestrual, quase o mesmo intervalo que Lua leva para passar por suas quatro fases, disseminou a crença de que ela controla a gestação e o parto.

Nos anos 1970, a hipótese foi organizada pelo psiquiatra Arnold Lieber no que ficou conhecido como teoria das “marés biológicas”. Lieber diz que, assim como a força gravitacional da Lua atrai as águas dos oceanos e provoca as marés, ela mexe com os líquidos que constituem 70% do corpo humano. Por isso, segundo ele, as crianças nasceriam mais nas mudanças de fase da Lua, e hemorragias e abortos seriam mais frequentes em períodos de Lua cheia, exatamente a que provoca marés mais violentas.

A teoria é ótima, mas estudos feitos com milhares de nascimentos nunca encontraram uma correlação entre o número de partos e as fases da Lua. Porque o “puxão gravitacional” que a Lua exerce sobre as grandes massas de água não é suficiente para mover massas fluidas menores (motivo pelo qual não se vê marés em lagoas e rios).

Lieber, no entanto, não se limitou à gestação. Relacionou as fases da Lua com o número de internações em hospitais psiquiátricos, agressões, acidentes. Mas, para cada estudo que estabelece um vínculo da Lua com o nosso comportamento, a nossa saúde ou o nosso ritmo biológico surge uma dezena de outros mostrando que aquilo não se sustenta, é inconclusivo ou contraditório. Enfim... coisa de lunático, como dizem alguns.

No próximo sábado faz 50 anos que o homem pisou na Lua. Até agora foi mais fácil ir até lá do que desvendar o real impacto do satélite sobre a vida na Terra.

SHIMA, J.S.; Swearer, S.E. Moonlight enhances growth in larval fish. Ecology, vol. 100, n. 1, 2019.

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