Sílvia Corrêa

É jornalista e médica veterinária, com mestrado e residência pela Universidade de São Paulo.

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Sílvia Corrêa

Como funciona o cérebro de um corrupto?

Estudos comprovam que o efeito da impunidade sobre as estruturas cerebrais é o que faz o corrupto roubar cada vez mais

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A obra da estação de metrô da Gávea, no Rio, deveria ter sido inaugurada para as Olimpíadas de 2016. Está parada desde 2015. No ano passado, virou um piscinão: foi inundada para reduzir o risco de que abalasse os prédios da vizinhança. Agora, voltou ao noticiário com a ideia do governador Wilson Witzel de aterrar o buraco.

Independentemente do desfecho da novela, o metrô da Gávea já entrou para a história como mais uma obra pública parada por décadas, malfeita e, como já está virando hábito por aqui, superfaturada.

Os números são inacreditáveis. As seis estações da linha 4 do metrô do Rio foram orçadas em R$ 880 milhões. A previsão foi sofrendo “pequenos ajustes”. Hoje, 20 anos depois, as obras já engoliram R$ 9,6 bilhões _11 vezes o valor inicial!

Alguém acredita que a grana foi para as obras?

Só a Gávea já custou quase R$ 1 bilhão —e ainda falta fazer 60% da construção. Tudo pago, claro, pelo governo do Rio (aquele do qual todos os ex-governadores vivos já foram presos) diretamente para as ilibadas Odebrecht, Queiroz Galvão e Carioca Engenharia.

Fica difícil engolir que ninguém tenha visto algo errado ao longo de 20 anos de roubalheira. Ver, viu. Mas não fez nada.

É esse o problema: sucessivos estudos do cérebro humano têm comprovado que essa impunidade está mesmo na raiz da escalada da corrupção, exatamente como o senso comum propõe desde antes de Cristo.

Como funciona o cérebro de um corrupto
Como funciona o cérebro de um corrupto - Steve Young - stock.adobe.com

Em uma das mais recentes pesquisas sobre desonestidade, voluntários tinham que observar por três segundos uma jarra com moedas e dizer para o parceiro de jogo o valor que havia ali.

Em algumas duplas, ambos ganhariam pela acurácia da estimativa. Em outras, no entanto, o observador ganharia mais quanto maior fosse o valor estimado (mesmo que muito longe do real) —o parceiro continuaria ganhando pela proximidade da estimativa com o valor real. Mas só os observadores conheciam essas regras.

As duplas foram fazendo sucessivas apostas. E os resultados mostram que, conforme percebiam que não havia punição se fossem desonestos, os observadores que ganhariam mais com os chutes mais altos foram soprando valores cada vez maiores aos parceiros, mesmo que as quantias nem coubessem dentro da jarra.

Enquanto jogavam, esses observadores eram monitorados por equipamentos de ressonância funcional, que evidenciaram que a amígdala deles (uma região do cérebro responsável, entre outras coisas, pela sensação de desconforto que decorre da desonestidade) passava a se ativar cada vez menos com a repetição da transgressão. Ou seja: sem punição, os voluntários tendiam a ser cada vez mais desonestos, porque isso os incomodava cada vez menos.

O estudo conclui que a única alternativa possível para interromper o círculo vicioso da corrupção é o que os pesquisadores chamam de “frontalização social” —a criação de um sistema de punição efetivo que, compreendido por nosso córtex pré-frontal como uma possibilidade real, possa impedir a ascensão de impulsos primitivos que todos temos de ter prazer imediato e de levar vantagem.

O problema é que esse aprendizado cerebral pode levar algum tempo. Resta saber se o país resiste até lá.

*

GARRETT, N.; LAZZARO, S.C.; ARIELY, D.; SHAROT, T. The brain adapts to dishonesty. Nature Neuroscience, v. 19, n. 12, 2016 

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