Silvio Almeida

Advogado, professor visitante da Universidade de Columbia, em Nova York, e presidente do Instituto Luiz Gama.

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As instituições estão funcionando

Negacionismo científico e racismo são anteriores ao trumpismo e seus similares

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O primeiro debate presidencial dos EUA foi uma amostra do grau de deterioração da esfera pública. Ainda que o flerte de políticos americanos com o supremacismo branco e o fascismo não seja novidade, não deixa de ser chocante a postura do atual presidente dos Estados Unidos. Diante do mundo, ele enviou uma mensagem de apoio a um grupo organizado de racistas, conhecido pelos atos de ódio contra minorias. A verdade é que temos um sistema político que permite que pessoas como essas cheguem ao poder e que lá permaneçam. É um engano achar que se trata apenas de um problema moral. É um problema político, sobretudo.

Nós, brasileiros, temos uma história peculiar de ódio, o que nos lega exemplos únicos de falta de limites. Na semana passada, uma deputada federal considerou aceitável atacar adversários políticos —dois homens brancos— retratando-os como se fossem pessoas negras. Para quem não sabe e acha o gesto razoável, o que fez a deputada tem o nome de “blackface” e é uma reconhecida prática racista.

O presidente dos Estados Unidos Donald Trump durante debate presidencial - Jonathan Ernst - 30.set.2020/Reuters

Esse tipo de deformidade social não se produz de uma hora para outra. O que pode parecer uma atitude tresloucada é algo bem mais elaborado, impossível de acontecer sem a tolerância da parte “racional e respeitável” da sociedade. Incapazes de conter a violência e de construir a possibilidade de uma participação democrática, as instituições políticas têm se prestado única e exclusivamente à validação do grotesco.

Vejamos alguns exemplos brasileiros de como instituições “racionais” e da ordem, em seu cotidiano, são importantíssimas como avalistas da barbárie.

No último dia 18, a empresa Magazine Luiza anunciou um programa de ação afirmativa visando a contratação de trainees negros. Eis que alguns indignados ressuscitaram o argumento do racismo reverso, uma espécie de cloroquina dos racistas. Como é possível que um argumento tão pedestre possa ser debatido depois de tantos estudos e pesquisas que demonstram que isso não existe? Não custa lembrar que muitos, agora inconformados com o negacionismo científico da extrema direita, até hoje insistem que as cotas são prejudiciais ao país, mesmo contra todas as evidências e estudos já realizados a respeito do tema. Os “antirracistas reversos” são tão negacionistas quanto os que se recusam a usar máscaras durante a pandemia. O negacionismo científico e o racismo são anteriores ao trumpismo e seus similares.

No último dia 28, a Corregedoria Geral de Justiça do Paraná arquivou o procedimento disciplinar contra uma juíza que em uma sentença escreveu: “Seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça, agia de forma extremamente discreta os delitos e o seu comportamento, juntamente com os demais, causavam o desassossego e a desesperança da população, pelo que se deve ser valorada negativamente”. Se ainda existisse processo penal no Brasil, a menção à raça do réu deveria resultar na anulação da sentença, não importando o que a julgadora quis dizer, mas sim o que ela efetivamente disse. Entretanto, segundo os corregedores do TJ-PR, a decisão foi “retirada de contexto”. Notem as semelhanças com a retórica trumpista, na qual o próprio racismo é sempre um erro de contexto ou de interpretação.

Por fim, vale lembrar que, no dia 11 de setembro de 2018, o STF rejeitou denúncia de racismo contra o atual presidente da República após este, em um evento público, ter comparado negros a animais. Como a maioria das pessoas, de forma tosca, entende racismo apenas como crime, a absolvição foi sob medida para que o candidato chegasse ungido ao Palácio do Planalto.

As instituições estão funcionando. E por isso chegamos até aqui.​

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