Solange Srour

Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Solange Srour
Descrição de chapéu Rússia

Os impactos econômicos do conflito entre Rússia e Ucrânia

Hipótese de dólar deixar de ser moeda dominante teria consequências nada desprezíveis

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Enquanto a guerra na Ucrânia continua sem perspectiva de um cessar-fogo a curto prazo, as possíveis consequências econômicas para os próximos anos —como uma inflação alta e persistente e uma maior desaceleração da economia global— tendem a ser mais relevantes. Em uma perspectiva mais de longo prazo, surge o questionamento do dólar como moeda dominante do sistema financeiro e do papel do Fed como provedor de liquidez mundial.

O brutal aumento nos preços das commodities, principalmente de energia e alimentos, foi o efeito mais imediato do conflito. O mundo enfrenta, neste momento, a perspectiva de um choque inflacionário tão grande quanto o observado no início da década de 1970, o que deve levar a uma queda considerável da renda disponível e do consumo.

Guerra na Ucrânia pressiona preços e interrompe cadeias globais de produção - Mike Blake/Reuters

Exacerbando o efeito estagflacionário, devemos nos deparar novamente com a interrupção das cadeias globais de produção. Para citar um exemplo, metade do gás neon do mundo é fabricado na Ucrânia, e o produto é insumo para chips e semicondutores. Quão alta será a inflação e quão agudo será o efeito recessivo dessa nova crise dependem não só da extensão do conflito mas principalmente das respostas das principais economias.

O complicador atual é a demora na contenção das políticas monetárias e fiscais expansionistas que limitarão consideravelmente as opções disponíveis agora. Com a inflação já bastante alta, os mais importantes bancos centrais precisarão escolher entre intensificar a desaceleração econômica e desancorar as expectativas de inflação.

Antes da eclosão do conflito, a inflação americana já havia atingido 7,5%, e o Fed tentava domar as expectativas depois de abandonar o discurso de que a inflação era transitória. O gradualismo no aperto monetário —recomendável em um ambiente de elevada incerteza— pode não ser uma alternativa quando a inflação já excede níveis aceitáveis e a credibilidade das autoridades monetárias está em xeque.

Do ponto de vista fiscal, a expansão tende a ser mais restritiva do que era antes da pandemia. Nos EUA, além do aumento significativo da dívida e da perspectiva de subida dos juros, o timing político para um aumento significante dos gastos passou. Para dificultar o cenário, agora tanto os EUA quanto a Europa podem ser vítimas das sanções impostas à Rússia no que tange ao financiamento de suas dívidas.

Uma das sanções mais relevantes foi a decisão ocidental de negar ao banco central russo o acesso aos seus ativos de reserva denominados em moedas ocidentais e mantidos sob custódia em instituições ocidentais. Não que isso já não tenha sido adotado antes, mas esta é a primeira vez que ocorre em um país que tem uma posição bem significativa de investimentos no exterior.

Se os bancos centrais não puderem mais contar com seus ativos de dólar ou euro quando mais precisarem, começarão a questionar o valor da detenção desses ativos.

Com os atuais níveis de juros pagos pelos Tesouros americano e alemão, a única razão que os bancos centrais têm para manter títulos desses países é a garantia de segurança de dispor deles a qualquer momento. Isso pode levar à mudança de longo prazo na composição das reservas de grandes bancos centrais e ao questionamento do dólar como moeda dominante do sistema financeiro internacional e do euro como alternativa.

Para os EUA, as implicações da perda do dólar como moeda mais utilizada no mundo são consideráveis. Nas últimas décadas, o país vem incorrendo consistentemente em déficits em conta-corrente, financiado pelos países superavitários (especialmente pela China). Se o dólar perde status de reserva de valor, os déficits gêmeos se tornam inconcebíveis, e o resultado será desvalorização da moeda e alta das taxas de juros, especialmente as longas.

Para o mundo, as consequências dessa possível instabilidade financeira não serão nada desprezíveis. O Federal Reserve é o "salvador" de última instância do sistema financeiro global, pronto para injetar dólares quando necessário via linhas de swap ou para injetar liquidez na economia dos EUA. Foi assim nas crises do México em 1995, da Ásia em 1997, da Rússia em 1998, da Europa em 2012, na grande crise financeira de 2008 e, mais recentemente, durante a pandemia.

Os impactos de médio e longo prazos desta guerra devem ir muito além do seu término, assim como ocorreu em todas as grandes guerras passadas. Qualquer diagnóstico sobre a economia global nos próximos anos parece muito precipitado diante do elevado grau de incerteza sobre o que ocorrerá nos próximos meses.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.