Solange Srour

Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management.

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Adiar reformas estruturais custa crescimento

Ajustes na redução da despesa têm mais chance de reduzirem relação dívida/PIB

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Ajustes fiscais implicam escolhas complexas diante da possibilidade de constrangimentos econômicos e políticos. Além da definição do seu tamanho e ritmo, as autoridades a cargo do processo se deparam com duas questões: qual é a combinação mais efetiva entre aumentos de impostos e cortes de despesas a fim de alcançar uma redução ou estabilização da relação dívida/PIB, e qual é o custo em termos de perdas de produto e emprego associadas ao ajuste fiscal?

As linhas gerais do novo arcabouço fiscal deixam clara a escolha por um ajuste que limita os gastos de forma gradual e é dependente do aumento da carga tributária. O ajuste é de cerca de 2% do PIB em três anos, sendo que para estabilizar a dívida faz-se necessário algo perto de 3,5% do PIB. Embora o novo arcabouço estabeleça que o crescimento das despesas esteja limitado a 70% da receita líquida e a uma expansão real de 2,5%, os superávits primários necessários para estabilizar a relação dívida/PIB no médio prazo demandam crescimento de receitas acima dos níveis indicados pela sua correlação com o PIB.

Nossa carga tributária gira em torno de 32% do PIB (segundo o Monitor Fiscal do FMI), bem acima da média de 27% dos países emergentes. Ao longo de muitos anos, aumentamos a carga como forma de contrabalançar parte da forte expansão dos gastos (a outra parte resultou em crescimento da dívida), prejudicando o ambiente de negócios, desestimulando o investimento e comprometendo o crescimento potencial. Do lado dos gastos, as comparações internacionais (dados do Banco Mundial e da OCDE) mostram que gastamos muito, mas gastamos mal (principalmente com educação e benefícios sociais).

Vias próximas à praça Sete de Setembro, em Itaetê (BA), após colocação de asfalto sobre pavimento de paralelepípedo - TCU/Codevasf

Sem uma revisão profunda dos gastos, será difícil cumprir seu limite máximo de crescimento proposto. As indicações –compromissos com reajustes reais do salário mínimo e da remuneração dos servidores nos próximos anos, uma vez que a reforma administrativa está fora de cena– vão no sentido oposto. Já as despesas com educação e saúde passarão a crescer à mesma taxa da receita corrente líquida (regra anterior à do teto de gastos). Como se não bastasse, termos 92% dos gastos obrigatórios e alta rigidez orçamentária, a vinculação do crescimento das despesas totais a uma proporção da receita resultará em elevação de gastos obrigatórios e discricionários nos momentos de bonança, que dificilmente serão reduzidos quando precisarem crescer respeitando o limite inferior proposto (crescimento real de 0,6%).

Há ampla evidência empírica apontando que ajustes baseados na redução da despesa são os que têm menos chances de serem revertidos e têm maior probabilidade de promoverem uma redução permanente da relação dívida/PIB. Além disso, estão associados a menores desacelerações do que aqueles baseados em aumentos de impostos. Em alguns casos, tornam-se até mesmo expansionistas quando incluem políticas pró-crescimento, como a liberalização do mercado de trabalho e a abertura comercial, a partir de uma forte reação positiva do investimento privado.

A literatura econômica aponta também que a escolha gradualista pode ser bem-sucedida a depender de sua base de sustentação política e da credibilidade do governo em apontar medidas para que o ajuste seja finalizado ao longo do tempo. Governos recém-eleitos são mais propensos a sustentar essa estratégia, porém a comunicação deve ser transparente e deve haver forte participação da sociedade. O debate público é fundamental para se encontrar o equilíbrio certo na combinação de políticas e superar os ventos contrários que podem atrasar o ajuste necessário.

Sob esse aspecto, dada a agenda da reforma tributária posta como prioridade pelo atual governo –visando melhorar a eficiência do nosso sistema e trazer ganhos de produtividade–, parece ser contraproducente antecipar medidas arrecadatórias que poderiam ser mais bem desenhadas dentro da própria reforma. Nem todo "jabuti", como a tributação diferenciada de fundos fechados, pode ser visto como uma medida que meramente "fecha brechas". Muitos desses fundos possuem ativos ilíquidos, são instrumentos de investimento na economia real e devem pagar impostos, mas de uma forma mais escalonada.

Já a tributação sobre a importação de bens de consumo deveria estar inserida na reforma do IVA, assim como o impasse sobre os benefícios fiscais concedidos pelos Estados às empresas comporem ou não a base de cálculo do IRPJ e CSLL. Espera-se que a tributação dos dividendos seja debatida de forma profunda com a sociedade, diante de seus relevantes impactos na organização das empresas, não vista como mero "jabuti".

O teto de gastos deu transparência ao imenso desafio fiscal do país: discutir como alocar recursos de forma eficiente respeitando uma restrição orçamentária. O novo arcabouço flexibiliza tal restrição através do aumento da carga tributária que pode permitir o adiamento de reformas essenciais para um maior crescimento e a geração de empregos. Mais cedo ou mais tarde a reforma dos gastos terá de fazer parte desse novo arcabouço.

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