Sylvia Colombo

Historiadora e jornalista especializada em América Latina, foi correspondente da Folha em Londres e em Buenos Aires, onde vive.

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México, o país das 2 mil covas coletivas

Para 2020, espera-se que AMLO dê uma resposta contundente à violência

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O romance “Pedro Páramo” (1955), de Juan Rulfo, se passa em Comala, um povoado no México em que todos estão mortos, e suas vozes só são ouvidas por meio de sussurros e queixas que circulam com o vento.

Impossível não pensar nisso ao ver o trabalho “O País das 2 Mil Covas”, de uma equipe mexicana de jornalistas independentes comandada por Marcela Turati —vencedora do Maria Moors Cabot, da Universidade Columbia.

Militares e policiais procuram cova coletiva em terreno que abrigava a prisão de Topo Chico, no México
Militares e policiais procuram cova coletiva em terreno que abrigava a prisão de Topo Chico, no México - Daniel Becerril - 8.out.2019/Reuters

“O País das 2 Mil Covas” levou neste ano o Prêmio Gabo, em Medellín, na categoria cobertura.

Trata-se de um exaustiva investigação que pode ser conferida online por meio de um mapa interativo, que mostra a localização de mais de 2.000 covas coletivas que foram encontradas no México de 2006 a 2016.

A equipe trabalhou com jornalistas e autoridades locais e contou com a ajuda das “famílias buscadoras” —grupos comunitários que se formam cada vez que um massacre é perpetrado pelos cartéis de narcotráfico ou pelo enfrentamento deles com o Exército.

As “famílias buscadoras” seguem o cheiro que deixam os cadáveres ou a dica de testemunhas que viram ou ouviram movimentação no lugar onde poderia haver uma cova. São essas, de certo modo, as formas de se comunicar daqueles que estão enterrados. Um pouco como os sussurros dos mortos na obra de Rulfo.

Nessas covas foram encontrados 2.884 corpos inteiros, 324 cabeças, 217 ossos desmembrados, 799 restos de ossos e milhares de fragmentos.

O número de homicídios relacionados ao narcotráfico vem aumentando. Desde 2006, quando o então presidente Felipe Calderón iniciou a guerra aos cartéis, este número já ultrapassou os 279 mil mortos e mais de 40 mil desaparecidos, segundo o Inegi (Instituto Nacional de Estatística e Geografia). Turati e equipe afirmam crer que a maioria dos que estão nas covas integram a lista dos desaparecidos.

Depois de Calderón, o ex-presidente Enrique Peña Nieto, do PRI (Partido Revolucionário Institucional), centrou as ações das forças de segurança nos líderes do narcotráfico. Não funcionou, e os números continuaram aumentando.

Agora, sob comando do esquerdista Andrés Manuel López Obrador, não vem sendo diferente. Sua política de combate ao narcotráfico é branda. 

Tanto que, na última semana, um dos filhos do Chapo Guzmán —chefe do cartel de Sinaloa que está preso nos EUA— foi detido em Culiacán, mas logo depois liberado. A razão: os narcos abriram fogo com tal violência que as forças de segurança tiveram de ceder. Chapito foi liberado, e choveram críticas a AMLO, como Obrador é conhecido.

Nos oito primeiros meses do ano, já foram assassinadas 23.724 pessoas, um aumento de 2,6% em relação ao mesmo período no ano passado.

Em dezembro, AMLO completará um ano no cargo. Seu desejo era que este fosse conhecido como o ano em que o México venceu a corrupção e passou a investir mais em saúde e educação.

Pois nem isso vem ocorrendo nem a violência vem sendo combatida. AMLO tampouco teve coragem de propor um necessário debate sobre legalização das drogas como forma alternativa de atacar o problema.

Em seu segundo ano, espera-se dele uma resposta contundente ao tema da violência. Isso se ele não quiser que todo o país se transforme numa imensa Comala.

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