A crise política que se manifesta no Peru em atos sem data para acabar agora atinge também o Equador.
Embora não tenha havido, por enquanto, uma explosão de manifestações de rua, o país andino mergulha num ambiente de tensão que opõe o presidente, o direitista Guillermo Lasso, ao Congresso e à parte importante da sociedade, como organizações indígenas e sindicatos. Há, ainda, seu arquirrival, o ex-mandatário esquerdista Rafael Correa, que, condenado por corrupção, comanda do exterior a oposição.
Lasso vem amargando queda de popularidade —tem hoje 16% de aprovação, segundo o instituto Market— devido principalmente à deterioração da segurança e à difícil recuperação econômica no pós-Covid. A pobreza no Equador atinge 25% da população, e mais de 70% dos trabalhadores são informais.
Nos últimos anos, o país atraiu cartéis internacionais de drogas. Como consequência, terminou 2022 com recorde de assassinatos, 4.539, mais do que o dobro do ano anterior, 2.048. Às rebeliões nos presídios que já causaram quase 500 mortes somam-se homicídios cometidos por facções criminosas para garantir o controle de territórios. Também se tornaram comuns os sequestros e os episódios de extorsão.
A taxa de homicídios está em 25 casos a cada 100 mil habitantes, segundo a ONG Insight Crime, cifra superior à de países com problemas crônicos de violência como México e Guatemala.
Para tentar se fortalecer politicamente, Lasso convocou os equatorianos às urnas para propor a alteração de oito pontos da atual Constituição, promulgada em 2008, na gestão de Correa. A consulta incluía propostas para reduzir o número de congressistas, o que aumentaria o poder do Executivo e diminuiria a representação de províncias menores, a introdução do mecanismo de extradição de criminosos aos EUA e uma regulamentação mais rígida para a criação de partidos políticos. Lasso também propôs acabar com instrumentos de participação cidadã que se tornaram destaques da Constituição correísta.
A derrota de Lasso foi arrasadora. O "não" venceu em todas as oito perguntas. No mesmo pleito, houve votações para prefeitos e governadores, em que o CREO, partido do presidente, perdeu os principais redutos eleitorais do país, como Quito e Guayaquil, para nomes da sigla de Correa, Revolução Cidadã.
O Executivo agora está mais isolado, com um Congresso dominado pela oposição e um movimento indígena que mostra estar voltando a se organizar. Em 2019, o Equador viveu protestos liderados por esse setor da população, em semanas de medo e tensão detonadas pelo aumento no preço dos combustíveis.
À época, o então presidente, Lenín Moreno, depois de jornadas de repressão, acabou recuando da decisão. O acordo a que chegou para pacificar os manifestantes, porém, era frágil e tampouco tocou em questões importantes para os indígenas, como a demanda por maior representatividade política, a diminuição da exploração mineradora em suas terras e a proteção de fontes de água, entre outros.
Analistas veem no atual cenário a possibilidade de um novo "estallido", uma explosão social.
Os indígenas e a população rural são os que mais sentem o avanço do narcotráfico e a deterioração da economia. Tudo indica que Lasso terá dois anos difíceis adiante. Agora, as demandas contundentes dos protestos de 2019 são mais numerosas, o que pode levar a uma nova onda de manifestações.
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