Não, não se trata do projeto megalomaníaco do cineasta Serguei Eisenstein (1898-1948) nos anos 1930. De todo modo, "Viva o México!", com título homônimo e disponível na Netflix, também é uma tentativa de retratar a cultura mexicana, sua história e sua atualidade, só que desta vez em chave sarcástica.
A empreitada do diretor Luis Estrada também é de grande fôlego. Com três horas de duração, a obra conta a história de Pancho (Alfonso Herrera), um homem ambicioso nascido numa cidade semidesértica e pobre do interior que alcança sucesso na capital. Vinte anos depois, ele decide voltar ao local de sua infância, movido pela curiosidade em saber o que foi deixado como herança por seu avô, que acabara de morrer.
Com a mulher e dois filhos —uma família burguesa que construiu na cidade grande—, além de uma babá, Pancho encontra os pais, os irmãos e a avó. Eles vivem na pobreza, em meio a festas, porres, brigas e sexo. O choque geracional e cultural é enorme, e pequenas tragédias logo são desenhadas.
Estrada é hoje um dos cineastas mais famosos do México. Ficou conhecido principalmente por filmes que alfinetam políticos. Em "A Lei de Herodes" e "A Ditadura Perfeita", o alvo foi o PRI (Partido Revolucionário Institucional) e suas mais de sete décadas de poder, com a corrupção e as intrigas da política e dos meios de comunicação dissecadas em tom humorístico. Em "O Inferno", ele critica a gestão de Felipe Calderón (2006-2012), do PAN (Partido da Aliança Nacional), e sua falida guerra contra o narcotráfico.
Em "Viva o México!", é a vez de mirar o atual presidente, o esquerdista Andrés Manuel López Obrador, cujo mandato cheio de controvérsias acaba em 2024. Conhecido pelos discursos semiesotéricos e nacionalistas, AMLO, como é chamado, aparece na voz de personagens populares nas referências depreciativas aos ricos, a quem chamam de "fifis", um termo cunhado no século 19 e hoje retomado por López Obrador para descrever as adaptações mexicanas da cultura francesa.
O filme também ajuda a entender, na toada do humor, o atual momento do país. Na média dos líderes latino-americanos, AMLO segue muito popular, com mais de 60% de aprovação, representando uma esquerda antiquada e conservadora, uma alternativa ao neoliberalismo dos anos 1990, conectada a um orgulho nacional que remonta à revolução de 1910, mas que não dá conta de demandas contemporâneas.
AMLO, até agora, mostrou-se pouco eficaz em assuntos cruciais, como a violência dos cartéis de drogas, a ambígua relação com os EUA e os crescentes fluxos migratórios que atravessam o país.
Em 2024, o Morena (Movimento Regeneração Nacional) desponta como favorito a vencer as eleições presidenciais. No México, porém, não há reeleição, e os mandatos são de seis anos. AMLO não poderá continuar no cargo, mas, em razão da alta popularidade, tem força suficiente para construir um sucessor.
As primárias do partido, que nasceu das entranhas do PRI, já são o grande assunto no país e talvez sejam ainda mais competitivas que a própria votação, devido à fragmentação da oposição. Os principais pré-candidatos, por ora, são a ex-chefe de governo da Cidade do México Claudia Sheinbaum e o ex-chanceler Marcelo Ebrard, dois protagonistas do cenário mexicano contemporâneo. Quem quiser entender, em tom humorístico, os desafios do atual e do próximo mandatário será atendido com "Viva o México!".
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