Tatiana Prazeres

Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

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Vale-tudo no comércio internacional

Pirataria moderna e restrição a exportações prejudicam combate à pandemia

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Desvio de cargas, apreensão de mercadorias, acordos desfeitos na última hora por ofertas melhores. Com lances de pirataria moderna, o mundo todo disputa no mercado chinês equipamentos de proteção individual, testes e insumos médico-hospitalares para o combate à Covid-19.

Por que na China? Em primeiro lugar, a China é o maior exportador mundial, inclusive de equipamentos de proteção individual (EPIs) —e já era mesmo antes da pandemia. Tinha 42% do mercado internacional de EPIs, como máscaras, luvas, óculos e aventais médicos em 2018, segundo o Peterson Institute.

Além disso, a China aumentou rapidamente sua capacidade de produção desses e de outros itens quando a Covid-19 atingiu o país. Justamente quando o mundo mergulha na crise, a China está saindo dela. Requer menos e tem mais condições de fornecer esses bens agora escassos.

Produção de máscaras faciais na província de Liaoning, nordeste da China - Yao Jianfeng -16.abr.2020/Xinhua

Em segundo lugar, os demais países produtores desses itens médico-hospitalares passaram a limitar suas exportações para privilegiar as necessidades domésticas. Medidas restritivas também são contagiosas. Em 10 de março eram 24 países, agora são mais de 60 que exigem licenças para exportar, limitam a quantidade ou simplesmente proíbem exportações.

Essas restrições podem parecer fazer sentido —mas não fazem. Deixam todos piores. Os EUA, por exemplo, acabam de restringir a exportação de respiradores, máscaras e luvas.

Ocorre que o valor que eles importam desses produtos é cinco vezes maior do que o valor exportado, segundo o Peterson Institute. Se os demais países decidirem retaliar e deixar de vender para os americanos, os EUA passarão a ter muito menos desses suprimentos médicos.

As restrições ainda desestimulam investimentos que o setor privado poderia fazer para atender a demanda global. Com isso, a produção desses itens escassos cresce menos do que poderia.

Apesar disso, proliferam-se as restrições. Maior produtor mundial de hidroxicloroquina, a Índia passou a controlar suas exportações do produto. Tentou banir completamente as vendas, voltou atrás, mas segue exigindo licenças.

A China também tem seus controles, passou a exigir certificações para evitar problemas de qualidade, e as encomendas do próprio governo restringem a oferta. Mas, ainda assim, é o lugar onde ainda se consegue comprar neste momento.

Nessas condições, a lei da selva impera. Os principais perdedores são países menos desenvolvidos, sem experiência para realizar diretamente suas importações, sem recursos para disputar compras e sem indústria para produzir localmente.

Mais, como a Covid-19 chegou depois ao mundo em desenvolvimento, apenas agora esses países estão indo às compras. Já é tarde demais.

A lógica do vale-tudo e, em particular, restrições a exportação abalam a confiança no comércio internacional. Todos os países sairão da pandemia mais céticos em relação à possibilidade de importar o que não produzem, mesmo tendo contribuído para o problema ao limitar exportações e, indiretamente, incentivar os demais a fazerem o mesmo.

A sensação de vulnerabilidade gerada pelos episódios de hoje imprimirá sua marca na política comercial dos próximos anos. O mundo pós-pandemia será mais protecionista.

Haverá esforços para diminuir dependência do mercado externo. A eficiência econômica cederá lugar à redundância, à margem de segurança. Como disse Ian Bremmer, ao invés do “just in time”, a lógica será a do “just in case”.

Segurança de saúde pública passará a ser uma preocupação da política comercial. Do mesmo jeito que países fazem estoques estratégicos de petróleo por segurança energética, ou estoque de alimentos por segurança alimentar, estocarão insumos médico-hospitalares.

O comércio internacional pode dar uma contribuição efetiva no combate a pandemias, afinal, ninguém produz nem vai produzir tudo o que precisa.

O problema é que, agora, não parece haver disposição real para a coordenação de esforços no plano externo. Enquanto isso durar, todos perdemos. É urgente mudar o rumo.

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