Tatiana Prazeres

Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

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Tatiana Prazeres
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China Ásia

Há 50 anos, campeonato de pingue-pongue abriu novo capítulo na relação EUA-China

Rodaram o mundo as fotos do encontro inusitado entre representantes de países cujas relações diplomáticas estavam rompidas

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Há 50 anos, no auge da Guerra Fria, o Japão sediava o campeonato mundial de pingue-pongue. O que deveria ser um evento sem nenhuma relevância política serviu de palco para uma das manobras diplomáticas mais fascinantes e consequentes da nossa era. Abriu-se um novo capítulo na história do relacionamento entre EUA e China.

Num dado momento durante a competição, o jogador americano Glenn Cowan entrou, por engano, no ônibus que conduzia a equipe chinesa de pingue-pongue. O ônibus partiu. No caminho, com a ajuda de um intérprete, o campeão mundial Zhuang Zedong puxou conversa com o americano. Presenteou-o com imagens de montanhas chinesas pintadas em seda.

O atleta de tênis de mesa Zhuang Zedong, à dir., cumprimenta o jogador americano Glenn Cowan durante visita aos EUA
O atleta de tênis de mesa Zhuang Zedong, à dir., cumprimenta o jogador americano Glenn Cowan durante visita aos EUA - Xu Bihua - abr.72/Xinhua via AFP

Devidamente alertada, a imprensa estava pronta para registrar o momento em que o ônibus chegasse ao seu destino. Circularam no mundo as fotos do encontro inusitado —e amistoso— entre representantes de países cujas relações diplomáticas estavam rompidas havia duas décadas.

A dois dias do fim da competição, o time chinês surpreendeu a equipe americana com um convite para visitar a China. Foi basicamente assim, quase de supetão —mas com diplomacia ousada nos bastidores—, que ocorreu a primeira visita oficial de uma delegação americana à China em mais de 20 anos.

Em 14 de abril de 1971, no Grande Salão do Povo em Pequim, o time americano foi recebido pelo primeiro-ministro Zhou Enlai. Diante de jovens americanos estáticos, o premiê anunciou: “Vocês inauguraram um novo capítulo na história dos povos da China e dos EUA”.

A chamada diplomacia do pingue-pongue serviu de catalisador para aproximar China e EUA que, naquele momento, tinham na União Soviética um inimigo comum. Richard Nixon queria terminar a guerra no Vietnã. Mao Tsé-Tung queria tirar a China do isolamento em que se encontrava. O interesse era recíproco —apesar de as desconfianças serem enormes e nutridas mutuamente.

O pingue-pongue ajudou a preparar o público para a ideia de uma reaproximação. Humanizou uma relação vista até então apenas pelo ângulo geopolítico. Mais que uma distração, ajudou os dois lados a deixarem as diferenças de lado.

O episódio abriu o caminho para que, no ano seguinte, Nixon visitasse a China. Em 1972, o presidente americano foi a Pequim, Xangai e Hangzhou —as mesmas cidades que o time de pingue-pongue havia visitado no ano anterior.

De lá para cá, o mundo assistiu à ascensão e queda do relacionamento bilateral.

Nesta semana, o aniversário da diplomacia do pingue-pongue motivou eventos em Xangai, discursos de diplomatas chineses e notícias na imprensa local evocando o espírito daquele momento. Nos EUA, isso não encontra mais eco.

A política de engajamento dos americanos em relação à China, inaugurada pela diplomacia do pingue-pongue, encerra seu ciclo justamente 50 anos depois. Não terminou com Donald Trump. O fim está sendo decretado por Joe Biden, ao dar continuidade à linha do seu antecessor. Não é claro o que substituirá o engajamento, mas é certo que, como concebido, não tem mais futuro.

Acertadamente, Biden busca corrigir vários aspectos da política externa de Trump. Em matéria de China, no entanto, hesita. O legado tóxico de Trump deixou marcas profundas nos EUA. Ainda é cedo para tirar conclusões, mas muitos sinais são de trumpismo sem Trump.

Não deixa de ser irônico que, justamente quando se relembra o pingue-pongue, vozes nos EUA defendam o boicote da Olimpíada de Inverno de Pequim de 2022. Provavelmente não boicotarão, mas a mera discussão do assunto é emblemática da mudança de postura.

Em 1971, durante o campeonato no Japão, Glenn Cowan, presenteado pelo colega chinês, buscou algo para lhe oferecer em retribuição. A lembrança improvisada pelo jogador de cabelos longos, visual hippie e fã dos Beatles foi uma camiseta com os dizeres “Let it Be”. Definitivamente outros tempos. O jogo agora é outro.

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