Tatiana Prazeres

Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

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Descrição de chapéu China Ásia Brics

Para EUA, paciência da China com Taiwan diminui com aumento de seu poderio militar

Arranjo imperfeito que evitou confrontação militar por décadas está sendo posto à prova

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Não há nada potencialmente mais explosivo nas relações China-EUA do que Taiwan. A revista The Economist, numa edição de maio, trouxe na capa "O lugar mais perigoso da Terra", referindo-se à ilha. O título é exagerado, mas desde então a situação piorou.

O que aconteceu? Por que Taiwan passou a ser essa luz vermelha piscando no radar? Desde a década de 1970, há um equilíbrio delicado entre Washington e Pequim a respeito de Taiwan. Esse equilíbrio —agora ameaçado— é composto de ambiguidades e contradições. Foi negociado quando os EUA reconheceram a China sob o comando do Partido Comunista, em detrimento de Taiwan. Em resumo:

Os EUA aceitam que há "uma única China", da qual Taiwan é parte. Reconhecem que o governo da República Popular da China é o representante legítimo do país. Apesar disso, Washington rejeita a reunificação política da China, a não ser por meios pacíficos. Como parte do acordo, Deng Xiaoping aceitou, a contragosto, que os EUA continuassem vendendo armas a Taiwan.

Bandeiras nacionais chinesas e taiwanesas estão expostas ao lado de um avião militar
Bandeiras nacionais chinesas e taiwanesas estão expostas ao lado de um avião militar - Dado Ruvic/ Reuters

Logo após a normalização das relações China-EUA, o Congresso americano aprovou a Lei de Relações com Taiwan. Não há um compromisso formal de os EUA defenderem militarmente a ilha no caso de uma invasão liderada por Pequim, mas a lei deixa essa possibilidade aberta. É a chamada ambiguidade estratégica.

Agora, Joe Biden —de forma deliberada ou não— lança dúvidas sobre a política americana para Taiwan. Numa entrevista em outubro, foi questionado se os EUA se comprometiam a defender a ilha num eventual ataque. "Sim", respondeu claramente. Biden também havia dito em agosto que os EUA defenderiam Taiwan porque haviam assumido o compromisso de fazê-lo.


Só que esse compromisso não existe, não há uma aliança militar, um tratado que obrigue os EUA a agir. Em vez disso, sempre reinou a incerteza. A reação de Biden teria sido um movimento calculado —ou um mero descuido com as palavras? Continuar a vender armas para Taiwan é uma coisa. Comprometer-se a defendê-la militarmente é outra.

Um compromisso formal de defesa fortaleceria vozes pró-independência em Taiwan, acirrando os ânimos. Após as entrevistas, a Casa Branca se apressou em esclarecer que a posição dos EUA sobre a ilha segue inalterada.


O cálculo político de Washington, no entanto, pode estar mudando. Diante do aumento do poderio militar da China e de seu discurso mais assertivo sobre a reunificação, os EUA agem como se a paciência de Pequim estivesse terminando. Enquanto isso, vendem armas.

As lideranças chinesas, por sua vez, sobem o tom e demonstram força. As ações e as reações das duas potências nucleares se retroalimentam. A China prefere não testar a ambiguidade americana com um ataque. Muitos na China pensam que os EUA se sentiriam compelidos a defender Taiwan, porque a omissão seria vista como emblemática do declínio americano.

Os aliados Japão e Coreia do Sul, por exemplo, ajustariam seus cálculos. Para Washington, um conflito sairia caro —mas fugir dele diante de uma agressão chinesa, idem.

Muitos outros pensam que os EUA não arriscariam entrar num conflito, mas que, ainda assim, o melhor para Pequim seria buscar a reunificação pacífica. Pelo peso da China, a realidade tenderia a se impor — mesmo que, com o tempo, a população de Taiwan possa se sentir mais taiwanesa que chinesa e que veja com ceticismo arranjos do tipo "um país, dois sistemas", como no caso de Hong Kong.

No entanto, na hipótese de Taipé declarar independência ou de Washington apoiar essa posição, Pequim não hesitará em usar a força. O arranjo imperfeito que evitou uma confrontação militar por décadas está sendo posto à prova. Assim, Taiwan passa a ser palco principal da rivalidade geopolítica do século 21.

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