Terra Vegana

Luisa Mafei é culinarista e professora de cozinha a base de vegetais

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Como fazer um filé de peixe de couve-flor

Receita de couve-flor empanada satisfaz até os desejos de uma grávida

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O desejo, às três da manhã, era de comer peixe à milanesa acompanhado de massa à putanesca —não que essa seja uma combinação habitual, ou que eu coma peixe. A vontade só pode ter nascido daquele amplo espectro denominado "desejos de uma grávida".

Há quem queira comer tomate com chocolate, melancia com margarina, pão recheado de leite condensado, arroz com sorvete, açaí com feijão. O que significa que meu desejo seria amplamente aceitável, não fosse o fato de eu ser vegana.

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Couve-flor à putanesca com receita de Luisa Mafei - Luisa Mafei

Esvaziei a bexiga —a pressão é tanta, mas sai a pinga-gotas—, voltei para a cama e dormi decidida. Se o desejo realmente persistisse, eu iria atrás do meu peixão com putanesca assim que o sol raiasse, quase como se me esquecesse de que o peixe é um ser vivo (com sentimentos e emoções) e de que a pesca industrial representa uma ameaça não só à vida marinha, mas às nossas próprias vidas.

Oceanos saudáveis são fundamentais para a existência de qualquer tipo de ecossistema, e a atividade pesqueira solapa corais, mata muito mais peixes e frutos do mar do que efetivamente vende, deixa rastros de lixo plástico (redes, boias etc) por onde passa e ainda promove o desequilíbrio das cadeias alimentares ao preferir certas espécies (sobretudo a dos peixões) em detrimento de outras menos comercializáveis.

Quando acordei, decidida a incumbir meu marido da missão de resolver aquele desejo proibido, lembrei-me de uma ocasião em que chorei de soluçar numa das cozinhas mais estreladas do Brasil —e do mundo.

Eu era estagiária do restaurante Maní, e, como tal, desempenhava funções pouco nobres, como limpar peixes, por exemplo. A cozinha onde a descamação acontecia era isolada do restaurante em si, então eu aproveitava para ouvir qualquer playlist que me desse forças para ficar horas e horas de pé com um facão na mão. Naquela época, eu não era vegana, nem vegetariana.

Certo dia, enquanto limpava a cabeça de um peixe para o caldo da famosa moqueca, meus dedos deslizaram e se afundaram nos olhos gelatinosos do bicho. Eram olhos como os meus, como os nossos. Segurei-os, já esmagados na palma da mão, e comecei a chorar.

Para o meu azar, o sous chef do serviço entrou na cozinha neste exato momento: "Você está num restaurante estrela Michelin, sabia?".

Não se trabalha com música, muito menos com o avental sujo, num restaurante premiado, eu sabia.

Ele pausou os Racionais MC —estava tocando "Diário de um Detento", nunca vou me esquecer— e começou a esfregar freneticamente a bancada cheia de sangue. Ao me ver chorar, pediu desculpas e saiu sem nunca saber o real motivo das minhas lágrimas.

Os cinco segundos de prazer em comer o tal do peixe frito não valeriam a pena, eu soube assim que meu marido, ainda acordando, me lembrou de uma escapadinha que dei num churrasco de fim de ano. O cheiro do queijo coalho me deixou cega, e tasquei um pedacinho, meio constrangida, julgada por alguns, autorizada por outros —grávidas podem tudo. Não consegui reconhecer o queijo enquanto comida, achei o gosto superesquisito, e ainda me senti mal por ter furado o meu veganismo.

Mas, como lidar com o meu desejo, sabendo que comer peixe não seria uma escolha e que, mesmo se eu decidisse abrir uma exceção, provavelmente iria me decepcionar? Empanando uma couve-flor! Por que não? Peixe no mar, couve no prato, massa no pacote —o molho acabou por em cima do vegetal, servido sobre uma cama de rúcula.

Antes da receita, alguns breves esclarecimentos, principalmente para quem está começando a se aventurar na cozinha vegetal agora. A farinha de linhaça faz as vezes do ovo batido da milanesa: misturada à água, ela fica ligeiramente gelatinosa, tal qual a clara do ovo.

Para empanar, escolhi a farinha de amêndoas, pelo teor de gordura, fundamental para o sucesso de um bom empanado vegetal, sobretudo quando optamos por assar em vez de fritar. Esse ingrediente é encontrado com facilidade em mercados naturais ou na Zona Cerealista, pode também ser preparado em casa (basta triturar as amêndoas), ou, ainda, substituído por farinha de mandioca, desde que se capriche no azeite. Por fim, a levedura nutricional, adicionada à farinha de amêndoas, não é essencial, mas agrega sabor ao empanado.

Fiquei plenamente satisfeita com essa versão de couve-flor meio "steak", meio do mar, mezzo italiana. Espero que você fique também.


Couve-flor à putanesca vegana

INGREDIENTES

1 couve-flor pequena.

2 ½ colheres de sopa de farinha de linhaça.

5 colheres de sopa de água.

⅔ de xícara de farinha de amêndoas.

1 xícara de molho de tomate.

¼ xícara de azeitonas pretas.

2 colheres de sopa de alcaparras.

½ cebola.

3 dentes de alho.

1 colher de sopa de levedura nutricional.

½ colher de chá de páprica defumada.

¼ colher de chá de cúrcuma.

¼ colher de chá de pimenta preta.

Azeite e sal, o quanto baste.

Folhas de salsa e amêndoas laminadas para finalizar.

Rúcula, um punhado.

PREPARO

  1. Pré-aqueça o forno a 200 graus.
  2. Misture a farinha de linhaça com a água em um prato fundo. Tempere com uma pitada de sal. Reserve por 10 minutos.
  3. Num prato raso, adicione a farinha de amêndoas, a levedura nutricional, a páprica, a cúrcuma, a pimenta preta e uma boa pitada de sal. Misture e reserve.
  4. Lave e seque a couve-flor. Corte em fatias longitudinais, de 1 ½ dedo de espessura.
  5. Passe cada fatia de couve-flor na mistura de linhaça, e em seguida na mistura de farinha de amêndoas. Transfira para uma assadeira forrada com um tapete de silicone, papel manteiga ou untada de azeite (para evitar do "steak" ficar grudado na assadeira) e repita o processo com as demais fatias e floretes.
  6. Leve para assar por 30 a 40 minutos, virando na metade do tempo (se o seu forno tiver opção de calor em cima e embaixo, não precisa virar). A couve-flor deve ficar bem dourada, e com uma casquinha crocante.
  7. Leve as amêndoas laminadas para tostar em uma frigideira em fogo médio. Reserve.
  8. Enquanto o forno trabalha, prepare o molho (aproveite a frigideira das amêndoas e poupe louça): corte a cebola em cubos e refogue em azeite e sal. Descasque e corte o alho em finas rodelas, e adicione à cebola. Pique as azeitonas e as alcaparras e junte ao refogado, que deve ficar dourado antes de o molho de tomate ser adicionado. Misture tudo e deixe reduzir em fogo baixo por dez minutos.

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