Verão significa praia, que significa peixe no prato. E isso é um problema.
É um problema porque o paulistano quase só come peixe quando desce para o litoral. Consome pouco e não sabe escolher pescado. Compra o que o peixeiro quer vender —não necessariamente o melhor produto, nem o mais fresco.
"Uma relação de confiança com o fornecedor é o mais importante para comprar bem", diz a chef Telma Shiraishi, do restaurante japonês Aizomê. Serve para o mecânico, para o cabeleireiro e, certamente, para o homem do peixe.
Mas, azar, não temos essa confiança —algo que se conquista com a compra frequente. Em especial quando estamos em viagem, longe de casa, na praia. Por isso, é preciso aprender alguns macetes. A primeira escolha importante: de quem comprar o peixe.
Peixarias oferecem muitas opções, mas nem sempre o melhor negócio está entre elas. É comum o peixe viajar para São Paulo e voltar para os comércios praianos.
"Peixes e frutos do mar vão para a Ceagesp e de lá são distribuídos para todo o estado, inclusive o litoral", afirma Cintia Miyaji, doutora em oceanografia biológica e sócia da Paiche, consultoria para a compra sustentável de pescado que atende redes varejistas como Carrefour e Pão de Açúcar.
A centralização na Ceagesp facilita a fiscalização sanitária exigida para a venda em peixarias.
Eudes Assis, do restaurante Taioba, em Camburi (São Sebastião), é taxativo: compre direto do pescador.
"É só esperar chegarem os barcos na barra de Boiçucanga", diz o chef, a respeito do portinho dos pescadores daquela praia, também em São Sebastião.
Eudes, nativo da região e divulgador das tradições caiçaras, diz que a pesca por lá é feita no esquema de cerco flutuante. Trata-se de uma rede com pesos no fundo e boias na parte superior, que forma uma armadilha para as criaturas marinhas.
"Fica uma piscininha com os peixes dentro", conta o cozinheiro. "Aí, nós puxamos a rede e pegamos só o que vamos usar. Tartaruga, devolvemos ao mar. Cação também. E espécies que estão no defeso."
Segundo Eudes, o cerco costuma ser visitado pelos pescadores três vezes ao dia: às 6h, ao meio-dia e às 18h. Próximo desses horários, então, é que você deve esperar os barcos no porto.
A dica de Boiçuganga só vale, obviamente, para quem está nas proximidades. "Mas quase toda praia de São Paulo tem uma comunidade caiçara, com pescadores", afirma Eudes. Nessas comunidades, o "Google" ainda é aquele do tempo dos sumérios: aborde uma pessoa qualquer e pergunte.
Nas vilas caiçaras, também é comum ver tabuletas oferecendo peixe, afixadas na parede externa das casas. "Em geral é a mulher do pescador que vende o peixe enquanto ele está no mar", conta o chef.
A outra escolha fundamental é o que comprar. Como identificar o peixe fresco? Qual tipo de peixe, crustáceo ou molusco? Conservado no gelo ou congelado?
Sobre o frescor, as dicas do quadro desta página também se aplicam ao camarão, ao polvo e à lula –em particular a preferência pelo bicho inteiro e a ausência de odores desagradáveis.
Quanto a ostras e mexilhões, as conchas devem estar firmemente fechadas –sinal de que o animal ainda está vivo. "E procure adquirir moluscos de cultivo", aconselha Cintia Miyaji. "A coleta de conchas selvagens costuma ser rudimentar, com grande chance de contaminação."
Questões sanitárias também rondam a escolha da espécie de peixe. "Grandes predadores acumulam muitos metais pesados, como chumbo e mercúrio, das criaturas abaixo deles na cadeia alimentar."
Pode comer, mas é bom pegar leve. Entre as espécies "heavy metal", estão os atuns oceânicos, a meca (também conhecida como espadarte ou agulhão) e os cações de grande porte –que, em vida, são chamados de tubarões.
A carne de cação traz ainda implicações éticas e ambientais. Muitas das espécies de tubarão e raia que recebem esse nome comercial genérico estão ameaçadas.
O salmão de cultivo é outro que deve ser evitado por quem tem consciência ambiental. As grandes fazendas de salmão deixam resíduos de antibióticos no oceano, e a fuga de peixes por ruptura de rede prejudica o equilíbrio da fauna endêmica da região do cultivo.
Espécies de grande valor econômico, como robalo, garoupa e abadejo, saem direto dos barcos de pesca para os grandes distribuidores.
Por isso, é maior a chance de levar peixe superfresco ao investir nos animais que vivem próximos à costa, pescados e consumidos pela população local. Justamente os peixes pegos pelo cerco flutuante dos amigos do chef Eudes.
Cintia elaborou uma tabela com as espécies abundantes em janeiro no litoral paulista: carapau, espada, bonito-pintado, pirajica, peixe-porco, porco-chinelo, agulhinha, bicudo, gordinho, bonito-cachorra, peixe-galo, palombeta, cavala-verdadeira, paru, olho-de-cão e xaréu-branco.
Eudes acrescenta que as redes têm pegado também sororoca e corvina. E que nesta época rola uma abundância louca de lulas.
Só que nem todo mundo tem a sorte de estar perto desse festival de pescados frescos artesanais gourmet top premium. Para quem se encontra longe do mar, a opção pelo produto congelado não deve ser descartada.
"Um peixe congelado a bordo é muito mais fresco do que outro que passou 15 dias ou mais num barco em alto-mar, num porão cheio de gelo", afirma Cintia Miyaji.
"Claro que o congelado representa um ganho na segurança alimentar", diz Telma Shiraishi. "Mas há uma perda considerável na textura e no sabor."
Enfim, escolhas. Nem todas podem ser feitas pelos outros por você. Boa sorte com seu peixe!
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.