Thiago Amparo

Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Thiago Amparo

E os direitos humanos dos policiais?

Ao investir na barbárie contra jovens negros, RJ e SP se contrapõem às suas próprias polícias

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Ironicamente, ao investir na barbárie como política de segurança, governos e parlamentares do RJ e SP acabam por retroceder nos direitos dos próprios policiais.

Da proposta de extinção da Ouvidoria a políticas de abate por helicópteros e do “atirar para matar”, RJ e SP mostram desprezo pelas próprias instituições de polícia.

Ouvidorias das polícias são o principal canal de denúncia dos próprios policiais contra abusos de seus superiores. Nos últimos quatro anos, policiais militares recorreram à Ouvidoria 1.241 vezes para relatar abusos sofridos dentro da corporação —um total de 97% de todas as denúncias de policiais ao órgão.

Acabar com Ouvidoria significará silenciar a voz dos próprios policiais.

 
Além de atentar contra o controle externo das forças policiais, comum em muitas democracias mundo afora inclusive para coibir violência policial, a proposta do deputado Frederico d'Avila (PSL-SP) de extinguir a Ouvidoria contribuiria para suprimir críticas dos próprios policiais voltadas ao melhoramento das instituições de segurança às quais pertencem.
Marcas de tiros deixadas em carro após ataque ao PM Fernando Flávio Flores
Marcas de tiros deixadas em carro após ataque ao PM Fernando Flávio Flores - Divulgação/PM

A instituição das Ouvidorias é particularmente comum em países latino-americanos. Seja na figura de uma ouvidoria de polícia, seja na forma de um ombudsman com um mandato mais amplo, países como Guatemala, El Salvador, Honduras, Colômbia, Peru e Bolívia têm uma longa tradição de órgãos de controle do Estado, conforme pesquisa feita por Fredrik Uggla na Universidade de Oxford.

Em relatório intitulado “Polícia Militar Silenciada: Leis usadas para suprimir demandas por reforma policial”, a ONG de direitos humanos Human Rights Watch ressaltou em 2017 que “o código penal militar brasileiro e diversos códigos disciplinares estaduais impõem amplas limitações à liberdade de expressão dos policiais”. Porque são considerados crimes militares críticas a superiores ou a decisões do governo, ou incitações à indisciplina, Ouvidorias são um dos poucos espaços onde policiais podem externar casos de maus-tratos por seus superiores e, assim, aprimorar a segurança pública coibindo desmandos.

Na mesma esteira, governos de RJ e SP enchem o peito para falar em combate ao crime, mas historicamente têm investido em ações teatrais de policiamento ostensivo —como caríssimas operações de helicóptero com pouco resultado efetivo— ao mesmo tempo em que têm sucateado as polícias civis responsáveis por investigar crimes. Enquanto governos esbravejam a favor da barbárie, o RJ amarga uma taxa de esclarecimento de apenas 6,5% dos homicídios em 2016.

Mesmo as próprias regras da Polícia Civil no RJ não permitem operações policiais ostensivas por helicóptero. A Instrução Normativa 3 da Secretaria de Segurança Pública do RJ de 2018 estipula que o “emprego de arma de fogo embarcado em aeronave somente seja utilizado quando estritamente necessário para legítima defesa dos tripulantes, equipes terrestres e população civil.” Por legítima defesa leia-se usar moderadamente dos meios necessários para reagir à injusta agressão, atual ou iminente. Praticamente impossível, do ponto de vista tático-policial, que esta hipótese legal venha a ocorrer contra um helicóptero bem equipado.

Política de abate, em especial contra jovens negros, tem sido motivo de vergonha internacional para os governos de SP e RJ. Na última quarta-feira (8), representantes de movimentos negros denunciaram na Jamaica, durante audiência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, as graves violações de direitos humanos na política e falas do governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Na mesma esteira, parlamentares no RJ denunciaram à ONU as medidas do governador Wilson Witzel (PSC), motivando nesta quinta (9) o pedido por parte de relatores das Nações Unidas para visitar o país a fim de averiguar casos de execuções sumárias pela polícia.

Doria perguntou nesta semana: e os direitos de policiais?

Respondo. Se os governos de RJ e SP quisessem levar a sério os direitos de policiais, poderiam fortalecer, ao invés de extinguir, órgãos de controle como a Ouvidoria das Polícias. Poderiam formular programas sérios para melhorar a saúde mental de policiais. O número de suicídios cometidos por policiais militares em São Paulo cresceu 84% entre 2017 e 2018.

Se governos de RJ e SP quisessem levar a sério os direitos de policiais, poderiam gastar menos tempo promovendo o uso da força letal pela polícia. Poderiam, em vez disso, investir mais em treinar as polícias em métodos de abordagem que preservem a vida (do abordado e do policial). Um destes métodos, conhecido como Giraldi, é ensinado há décadas pelas próprias polícias, e prevê o uso progressivo da força.

Se governos de RJ e SP quisessem levar a sério os direitos de policiais, poderiam investir melhor em policiamento inteligente, revertendo o quadro de sucateamento das polícias civis, responsáveis por investigar crimes.

Promove-se a cultura do abate por incapacidade dos governos em formular políticas de segurança minimamente sérias. Ao investir em uma retórica inflamada de guerra contra comunidades pobres, periféricas e negras, governos e alguns parlamentares do RJ e de SP mostram pouco prezar também pelos direitos dos policiais.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.