Thiago Amparo

Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Thiago Amparo

Polarizada, eleição para conselhos tutelares omite debate que importa

Atribuições dos eleitos fica em segundo plano ante embate ideológico

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Candidatos cristãos (evangélicos vs. católicos) de um lado, autodenominados progressistas de outro. Foi com essa polarização que eleitores em todo o Brasil foram às urnas para votar nas eleições facultativas para conselheiros tutelares. Nas redes sociais, abundavam listas de candidatos para satisfazer o gosto do eleitor seja ele mais ou menos conservador. 

Tal embate, porém, omite o debate que deveríamos estar tendo: como enfrentar as falhas estruturais na proteção a direitos de crianças e adolescentes?

Parte do sistema de garantia de direitos de crianças e adolescentes iniciado nos anos 90 pelo Estatuto da Criança e Adolescente e consolidado nos anos 2000, os Conselhos Tutelares são peças-chaves da engrenagem institucional de proteção a crianças (0 a 12 anos incompletos) e adolescentes (12 a 18 anos).

Municípios são obrigados por lei a estabelecer Conselhos Tutelares, cujos integrantes são eleitos a cada quatro anos. Remunerados por lei, o número de Conselhos Tutelares varia de acordo com o município em questão.

Por que um órgão que à primeira vista parece ser burocrático-administrativo tem instigado a polarização política em todo o Brasil?

Por sua capilaridade em todo o país, Conselhos Tutelares se tornaram trampolim político, desvirtuando suas próprias atribuições legais. É comum que conselheiros tutelares se candidatem a vereadores ou outros cargos políticos.

Aos Conselhos Tutelares cabe primordialmente receber denúncias de violações de direitos de crianças e adolescentes e encaminhar às autoridades competentes, como Ministério Público.

Trata-se de uma estrutura essencial para a proteção de direitos. Por exemplo, o ECA incumbe os conselhos de receber os “casos de suspeita ou confirmação de castigo físico, de tratamento cruel ou degradante e de maus-tratos contra criança ou adolescente”. 

Outro papel essencial dos conselhos é receber denúncias de maus tratos envolvendo alunos em escolas de ensino fundamental, bem como casos de evasão. Pela relação dos conselhos com escolas, eles se tornaram campo de batalha de disputas ideológicas sobre temas como gênero.

O que deveríamos focar, no entanto, é o papel central que precaver evasão escolar tem na prevenção de outras violações como homicídios de crianças e adolescentes —correlação provada por inúmeros estudos na área.

Não é de hoje que direitos de crianças e adolescentes se tornam palco para o embate ideológico-partidário. Em agosto de 2018, o então candidato Jair Bolsonaro afirmou que o ECA deveria ser ‘rasgado e jogado na latrina’, pois, dizia ele, estimularia a “vagabundagem e a malandragem infantil”. 

Enquanto as eleições para Conselhos Tutelares evidenciaram a polarização política em que vivemos, tal embate esconde as falhas estruturais desse sistema de proteção.

Entre elas está a falta de formação continuada adequada dos conselheiros tutelares para exercer suas funções. Relatos de conselheiros omissos em suas atribuições são comuns pelo Brasil. Igualmente, falta a esses conselhos estruturas e recursos adequados para que possam atuar em rede. 

Conselhos Tutelares deveriam ter a capacidade institucional de encaminhar crianças e adolescentes para outras políticas públicas que assistam a eles e a suas famílias, como vagas em unidades de educação básica e atendimento psicossocial.

Aparelhar ideológica-politicamente os Conselhos Tutelares impede que tais debates —que realmente importam a crianças e adolescentes— sejam travados com seriedade.

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.