Thiago Amparo

Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.

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Folhajus

O outro naufrágio

Não conseguimos tirar os olhos do submersível, seja por empatia, desprezo ou um misto dos dois

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O caso dos bilionários no mar é uma tragédia, não no sentido de ser um fato da natureza, o que não é, dada a clara precariedade do submersível. É uma tragédia na acepção shakespeariana do termo: uma história na qual poderosos, por seus infortúnios, se veem diante da morte e do desastre que eles mesmo engendraram e dos quais não conseguimos tirar os olhos, seja por empatia, desprezo ou um misto dos dois, que é a emoção mais humana de todas.

Considerações morais à parte, há muita coisa entre o time dos que fazem meme com bilionários sufocando num lugar fechado (obviamente, uma cena de horror nada engraçada) e dos que filosofam sobre por que vidas bilionárias importam (um diversionismo, obviamente, porque se elas não importassem as esqueceríamos tão rapidamente quanto esquecemos as centenas de refugiados afogados na Itália e na Grécia —ou, pior, as agruras em campos de refugiados alhures, como entre Quênia e Somália).

O submersível Titan - Divulgação OceanGate Expeditions/ via Reuters - via REUTERS

Ouso dizer que boa parte da humanidade ocupa, ainda bem, um lugar entre esses dois polos. De um lado, nutre-se uma curiosidade mórbida sobre o privilégio do 1% mais rico que abocanha quase dois terços de toda a riqueza mundial. De outro, essa curiosidade gera engajamento e, hoje, este é o ouro. Há espaço, no entanto, para ir além: o episódio ensina o valor da regulação em coibir aventuras com a vida, mesmo as consensuais, e a síndrome de super-herói que acomete bilionários.

A indústria cultural recente é repleta de exemplos de pessoas ricas em situações trágicas: afogando em um barco de luxo em "Triângulo da Tristeza" (2022), morrendo de tédio em um resort em "White Lotus" (2021-), comendo uns aos outros em "O Menu" (2022) e brigando entre si por um império decadente em "Succession" (2018-2023). Há de se questionar se rir de bilionários é o colírio que nos faz enxergar a realidade como ela é ou o alucinógeno que distrai, a nós e aos donos do poder, da responsabilidade pela tragédia, a nossa e a deles.

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