Dois fatos são, digamos, interessantes no julgamento do STF sobre a descriminalização. Primeiro, selou-se a tríade conservadora Nunes-Zanin-Mendonça: "Adianto que vou seguir essa mesma linha do ministro Cristiano Zanin, de não descriminalizar", disse Mendonça, o terrivelmente evangélico, a Zanin, o terrivelmente branco, sobre quem, disseram, seria ao menos progressista. Não parece ser: o garantismo de Zanin não abarca pobres e negros presos por droga.
Segundo, Dias Toffoli fez a proeza de pedir mais tempo para análise de um caso que se fosse uma criança já estaria na 4ª série do ensino fundamental. Shakespeare demorou dois anos para escrever "Hamlet", e García Marquez 18 meses para completar "Cem Anos de Solidão", mas o Supremo parece precisar de nove anos para escolher se a melhor resposta constitucional seria jogar usuários nas cadeias superlotadas para alimentar facções ou se seria melhor tratar o tema como questão de saúde. Não é uma escolha difícil.
O que está em jogo no tribunal não é se maconha faz mal, isto cabe à ciência determinar. Os votos dos ministros conservadores focam nos danos que ela pode causar sem, no entanto, explicar por que a pena de prisão é o melhor remédio, em termos de saúde, para lidar com esses efeitos. Tampouco está em jogo no STF a legalização da maconha (ou seja, regular esse mercado por lei) ou a mera despenalização (ou seja, manter como crime sem pena de prisão). Isso porque o principal gargalo da lei atual é a ausência de parâmetros objetivos que diferenciem usuário de traficante.
É falacioso o argumento de que o tema seja de exclusiva competência do Congresso. Seria bom se este não utilizasse o momento para piorar o soneto com uma emenda. Cabe ao STF decidir se mantém a reiterada criminalização de usuários, cujo efeito é o que a corte já definiu como estado inconstitucional de coisas das prisões brasileiras. Todo mundo sabe que a maconha já está descriminalizada em qualquer festa rica Brasil afora; cabe ao STF decidir se só os pobres serão punidos por isso.
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