Thomas L. Friedman

Editorialista de política internacional do New York Times desde 1995, foi ganhador do prêmio Pulitzer em três oportunidades

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Thomas L. Friedman

Eleições nos EUA fizeram democracia do país se esquivar de uma flecha

Além de trumpistas, autocratas na China, na Rússia e no Irã também perderam com 'onda vermelha' menor que o esperado

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

The New York Times

Você pode adiar a mudança para o Canadá. Desistir de ligar para a embaixada da Nova Zelândia para saber como se tornar um cidadão de lá.

A eleição americana de terça-feira (8) foi realmente o teste mais importante desde a Guerra Civil para saber se o motor do nosso sistema constitucional —nossa capacidade de transferir poder de forma pacífica e legítima— permanece intacto. E parece que ele passou no teste; um pouco amassado, mas tudo bem.

Ainda não estou perto de dar o sinal de tudo certo, declarar que nunca mais um político americano se sentirá tentado a disputar com uma plataforma de negação eleitoral. Mas, dado o grau sem precedentes a que o negacionismo eleitoral foi elevado nestas midterms e a maneira como vários importantes idiotas imitadores de Donald Trump que colocaram o negacionismo no centro da campanha foram derrotados, podemos ter desviado de uma das maiores flechas já apontadas para o coração da democracia americana.

O presidente dos EUA, Joe Biden, discursa em evento do Partido Democrata ao lado da vice, Kamala Harris - Samuel Corum - 10.nov.22/Getty Images/AFP

Com certeza, outra flecha poderá atingir a qualquer momento, mas todo o sistema eleitoral dos EUA —em estados vermelhos, republicanos, e azuis, democratas— parece ter atuado de modo admirável, quase ignorando os últimos dois anos de controvérsia, reduzindo-a ao que sempre foi: a fabricação vergonhosa de um homem e seus bajuladores e imitadores mais sem-vergonha.

Dada a ameaça representada pelos negacionistas de Trump à aceitação e legitimidade de nossas eleições, isso foi uma grande coisa. Não poderia vir em melhor hora, pois os líderes da Rússia e da China manipularam seus sistemas para se firmarem no poder além de mandatos previamente estabelecidos.

Ao fazê-lo, um de seus argumentos foi apontar coisas como a insurreição de 6 de janeiro de 2021 nos EUA e o aparente caos de nossas eleições para dizer a seus cidadãos: "É assim a democracia. É isso o que vocês querem aqui?"

De fato, em maio, durante seu discurso para uma turma de formandos na Academia Naval dos EUA, o presidente Joe Biden lembrou quando o chinês Xi Jinping o parabenizou em 2020 por sua eleição: "Ele disse que as democracias não podem ser sustentadas no século 21; as autocracias governarão o mundo. Por quê? As coisas estão mudando tão rapidamente. As democracias exigem consenso, e isso leva tempo, e você não tem tempo".

Por essa razão, Xi e o presidente da Rússia, Vladimir Putin —e o líder supremo do Irã que agora enfrenta uma revolta liderada por mulheres—, também perderam na noite de terça-feira. Porque quanto mais selvagem e instável for a política dos EUA, quanto menos capazes formos de transferir o poder pacificamente, mais fácil será para eles justificar o fato de não o fazerem.

Enquanto o negacionismo eleitoral levou uma surra como mensagem vencedora, porém, nenhuma das coisas que ainda estão corroendo os fundamentos da democracia americana —e nos impedindo de realmente realizar grandes coisas difíceis— desapareceram.

Estou falando sobre a maneira como nosso sistema de primárias, a manipulação distrital e as redes sociais se uniram para envenenar constantemente o diálogo nacional, polarizar constantemente nossa sociedade em tribos políticas e corroer constantemente os pilares gêmeos de nossa democracia: verdade e confiança.

Sem poder concordar sobre o que é verdade, não sabemos que caminho seguir. E sem poder confiar um no outro não podemos ir para lá juntos. E tudo o que é grande e difícil precisa ser feito em conjunto.

Então, nossos inimigos seriam sábios em não nos considerar mortos, mas nós seríamos ainda mais sábios em não concluir que, porque evitamos o pior, seguiremos o melhor daqui para frente.

Não está tudo bem

Estamos tão divididos ao sair desta eleição quanto estávamos ao entrar nela. Mas na medida em que a onda vermelha republicana não se manifestou —especialmente em estados indecisos como a Pensilvânia, onde John Fetterman ganhou uma cadeira no Senado de Mehmet Oz, apoiado por Trump, e em distritos oscilantes como um na Virgínia onde a deputada democrata Abigail Spanberger foi reeleita, derrotando outro candidato apoiado por Trump—, foi porque um número suficiente de independentes e moderados republicanos e democratas apareceram para colocar Fetterman e Spanberger no topo.

"Ainda há um grupo viável de eleitores centristas que, quando têm uma opção válida —não em todos os lugares nem sempre, mas em alguns distritos-chave—, se afirmam", disse-me Don Baer, que foi diretor de comunicação da Casa Branca de Bill Clinton.

"Acho que ainda há muitos eleitores dizendo: 'Queremos um centro viável, onde possamos descobrir como fazer acontecer coisas que possam realmente ajudar as pessoas, mesmo que não seja perfeito ou tudo de uma vez. Não queremos que todas as eleições sejam existenciais'."

O desafio, acrescentou, é "como você escala esse sentimento e o faz funcionar em Washington regularmente?"

Eu não sei, mas se esta eleição é um sinal de que pelo menos estamos nos afastando do precipício é porque um número suficiente de americanos ainda se enquadra nesse campo independente ou centrista e não quer continuar remoendo as queixas, mentiras e fantasias de Trump —que, eles podem ver, estão enlouquecendo o Partido Republicano e agitando todo o país.

Eles também não querem ser algemados pelos ativistas conscientes da ultraesquerda e estão aterrorizados com a disseminação do tipo de violência política doentia que acabou de ser infligida ao marido de Nancy Pelosi.

Temos uma enorme dívida com os deputados republicanos Liz Cheney e Adam Kinzinger e com a deputada democrata Elaine Luria pela manutenção desse centro vivo. Os três ajudaram a liderar a investigação sobre 6 de Janeiro no Congresso e acabaram sendo forçados a deixar o cargo em consequência.

Mas a mensagem que o comitê enviou a um número suficiente de eleitores —a de que nunca, nunca, nunca devemos deixar algo assim acontecer novamente— certamente contribuiu para a ausência de uma onda pró-Trump nestas midterms.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.