Republicanos alimentam ciclo de desinformação sobre ataque a marido de Pelosi

Figuras como Donald Trump, Tucker Carlson e Elon Musk ajudaram a espalhar mentiras sobre episódio

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Washington | The New York Times

Poucas horas após o brutal ataque no mês passado a Paul Pelosi, marido da presidente da Câmara dos EUA, ativistas e meios de comunicação de direita começaram a divulgar afirmações infundadas —quase todas sinistras e muitas delas homofóbicas— que lançavam dúvidas sobre o que havia ocorrido.

Algumas autoridades republicanas rapidamente aderiram, apressando-se a sugerir que o espancamento de um octogenário por um suspeito obcecado por teorias da conspiração de direita era algo completamente diferente, descartando-o como uma questão interna, uma briga de amantes ou algo pior.

A desinformação veio de todos os níveis da política republicana. Um senador circulou a opinião de que "nenhum de nós jamais saberá" o que realmente aconteceu na casa dos Pelosi em San Francisco.

Um importante congressista republicano se referiu ao agressor como um "prostituto hippie nudista", afirmando sem fundamento que o suspeito tinha um relacionamento com Paul Pelosi. O ex-presidente Donald Trump questionou se o ataque poderia ter sido encenado.

Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos EUA, e seu marido, Paul, durante evento em Nova York
Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos EUA, e seu marido, Paul, durante evento em Nova York - Angela Weiss - 23.abr.19/AFP

O homem mais rico do mundo ajudou a amplificar as histórias. Mas nada disso era verdade.

A enxurrada de falsidades mostrou como a desinformação está arraigada no Partido Republicano, em que a resposta reflexiva da base —e até de algumas figuras proeminentes— a qualquer coisa que possa lançar uma luz negativa sobre a direita é desviar com mais alegações fictícias, criando um ciclo vicioso que turva os fatos, transfere a culpa e minimiza a violência.

Aconteceu após o ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021, inspirado na mentira de Trump sobre o roubo na eleição e, por sua vez, deu origem a mais falsidades, pois os republicanos e seus aliados de direita tentaram minimizar, negar ou inventar uma história diferente para o que aconteceu, incluindo culpar infundadamente o FBI e os antifascistas. O agressor de Pelosi acreditava em algumas dessas histórias.

"Essa é a dinâmica que se desdobra", disse Brian Hughes, professor da American University que estuda extremismo. "A teoria da conspiração provoca um ato de violência; esse ato de violência precisa ser desmentido, e só pode ser desmentido por mais teorias da conspiração, o que provoca mais violência."

O Departamento de Justiça agiu rapidamente para apresentar acusações criminais contra o suspeito do ataque —David DePape, 42—, que, segundo os promotores, invadiu a casa de Pelosi com a intenção de sequestrar Nancy Pelosi e quebrar seus joelhos e agrediu seu marido com um martelo, rachando seu crânio. O promotor distrital de San Francisco disse que é imperativo que os promotores apresentem os fatos ao público, dada a desinformação que circula amplamente sobre o caso.

Mas então já era tarde demais. Em um padrão que se tornou comum, um desfile de republicanos —ajudados por personalidades da mídia de direita, incluindo o apresentador da Fox News Tucker Carlson, e pessoas proeminentes, como o novo proprietário do Twitter Elon Musk, o homem mais rico do mundo— já havia incentivado a disseminação viral de mentiras sobre o ataque, distorcendo o relato do que aconteceu antes que os fatos pudessem atrapalhar. Encontrando vida em sites de extrema direita e na chamada dark web, teorias da conspiração e falsidades saltaram das margens para a corrente dominante.

Embora muitos líderes republicanos tenham denunciado a violência e alguns, como o ex-vice Mike Pence, expressado simpatia pelos Pelosi, nenhum deles condenou publicamente as falsidades que seus colegas estavam divulgando ou fez algo para reprimi-las. Isso permitiu que outros preenchessem o vazio.

"Simplesmente mostrem a câmera da polícia —por que é tão difícil?", exigiu Carlson em seu programa na noite de quarta-feira (2). Dirigindo-se àqueles que criticam a teoria da conspiração, ele acrescentou: "Nós não somos os loucos; vocês são os mentirosos. Não há nada errado em fazer perguntas, ponto final".

A desinformação em torno do ataque a Pelosi apresentou muitos dos elementos padrão das teorias da conspiração da chamada alt-right, que apreciam uma cultura de "faça sua própria pesquisa", lançando descrença sobre relatos oficiais, e tendem a se concentrar em desvios sexuais ou questões relacionadas a crianças, muitas vezes motivadas pelo medo de que a sociedade se torne imoral.

A especialista em desinformação Nina Jankowicz disse que nenhuma quantidade de evidências —sejam imagens de câmeras policiais ou qualquer outra coisa— poderia impedir tais falsidades aos olhos dos que não querem acreditar nos fatos. "Não importa quando há documentos ou testemunhos juramentados alegando que algo, de fato, não é o caso", disse Jankowicz. "Haverá um elaborado esforço de reenquadramento. Se a filmagem fosse divulgada, as pessoas diriam que foi manipulada. Não tem fim."

Muitos republicanos que propagaram a ficção expressaram seus comentários como piadas, efetivamente antecipando qualquer crítica ao sugerir que eles talvez não fossem sérios. Horas após o ataque, Donald Trump Jr., filho do ex-presidente, compartilhou nas redes sociais uma imagem de uma fantasia que incluía uma cueca masculina enorme e um martelo, comentando que "a internet segue invicta". Um porta-voz disse que ele "simplesmente postou um meme e sempre rejeitou a violência política em todas as formas".

A deputada republicana Claudia Tenney, de Nova York, divulgou no Twitter uma foto que mostra um grupo de jovens brancos segurando martelos enormes ao lado de uma bandeira LGBTQIA+, comentando "LOL" (que significa "dando gargalhadas"). Tenney não respondeu a um pedido de comentário.

Não está claro se as autoridades eleitas e personalidades da mídia que disseminaram falsidades acreditam nas teorias da conspiração que estão promovendo ou simplesmente querem ser recompensadas por sua base de direita. De acordo com pesquisas, até 70% dos republicanos ainda acreditam que Donald Trump foi o verdadeiro vencedor das eleições de 2020.

Segundo documentos federais de acusação, DePape ficou fascinado por teorias da conspiração que retrataram Nancy Pelosi como inimiga do país. Suas atividades online o mostram reclamando sobre o suposto roubo da eleição de 2020, parecendo negar o extermínio de judeus em Auschwitz e alegando que os professores estavam preparando as crianças para serem transgênero.

Seu advogado disse que pretende argumentar que DePape foi tão influenciado pela desinformação que isso deveria ser considerado um atenuante.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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