Thomas L. Friedman

Editorialista de política internacional do New York Times desde 1995, foi ganhador do prêmio Pulitzer em três oportunidades

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Descrição de chapéu The New York Times Rússia

Com guerra de chips, EUA passam a enfrentar a China ao mesmo tempo que lutam com a Rússia

Batalha com Pequim não envolve tiros, mas terá impacto tão grande quanto conflito com Moscou

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The New York Times

Caso você não tenha notado, deixe-me alertá-lo para acontecimentos estimulantes: os Estados Unidos estão agora em conflito com a Rússia e a China ao mesmo tempo.

Vovó sempre dizia: "Nunca lute contra a Rússia e a China ao mesmo tempo". Assim como Henry Kissinger. Fazer isso pode ser necessário para garantir nossos interesses nacionais. Mas não tenha dúvidas: estamos em águas desconhecidas. Só espero que essas não sejam nossas novas "guerras para sempre".

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Joe Biden, presidente dos EUA, ouve discurso de profissionais de saúde, durante sessão na Casa Branca, em Washington - Pete Marovich - 4.out.22/The New York Times

A luta com a Rússia é indireta, mas óbvia, crescente e violenta. O país tem armado os ucranianos com mísseis e informações para forçar os russos a se retirarem. Embora não diminua em nada a bravura dos ucranianos, o apoio dos EUA e da Otan desempenhou um papel importante nos sucessos da Ucrânia no campo de batalha. Basta perguntar aos russos. Mas como essa guerra vai terminar? Ninguém sabe.

Hoje, porém, quero me concentrar na luta com a China, que é menos visível e não envolve tiros, porque está sendo travada principalmente com transistores que alternam entre 1s e 0s digitais. Mas terá um impacto tão grande, se não maior, no equilíbrio de poder global quanto o resultado do combate entre a Rússia e a Ucrânia. E tem pouco a ver com Taiwan.

É uma luta por semicondutores –a tecnologia fundamental da era da informação. A aliança que projeta e fabrica os chips mais inteligentes do mundo também terá as armas de precisão mais inteligentes, as fábricas mais inteligentes e as ferramentas de computação quântica mais inteligentes para quebrar praticamente qualquer forma de criptografia. Hoje, os EUA e seus parceiros lideram, mas a China está determinada a recuperar o atraso –e agora estamos determinados a evitar isso. Começou o jogo.

Recentemente, o governo Biden emitiu um novo conjunto de regulamentos de exportação que, na verdade, dizem à China: "Acreditamos que vocês estão três gerações de tecnologia atrás de nós em chips e equipamentos de lógica e memória e vamos garantir que nunca nos alcancem". Ou, como o conselheiro de segurança nacional Jake Sullivan colocou de forma mais diplomática: "Dada a natureza fundamental de certas tecnologias, como chips de lógica avançada e de memória, devemos manter a maior liderança possível" – para sempre.

"Os EUA declararam essencialmente guerra à capacidade da China de promover o uso da computação de alto nível para ganhos econômicos e de segurança", disse Paul Triolo, especialista em China e tecnologia na consultoria Albright Stonebridge, ao Financial Times. Ou, como definiu a embaixada da China em Washington, os EUA estão buscando a "hegemonia sci-tech" [ciência-tecnologia].

Mas onde termina essa guerra? Ninguém sabe. Não quero ser enganado por uma China que está usando cada vez mais a tecnologia para controle absoluto em casa e projeção de poder assustadora no exterior. Mas se agora estamos presos no caminho de negar as tecnologias avançadas da China para sempre –eliminando qualquer esperança de colaborações vantajosas para ambos com Pequim em questões como clima e cibercrime, onde enfrentamos ameaças mútuas e somos as únicas duas potências que podem fazer a diferença–, que tipo de mundo isso produzirá? A China deveria estar fazendo as mesmas perguntas.

Tudo o que sei com certeza é que os regulamentos emitidos pelo Departamento de Comércio do presidente Joe Biden são uma nova barreira enorme em controles de exportação que impedirão a China de comprar os semicondutores mais avançados do Ocidente ou equipamentos para fabricá-los por conta própria.

Os novos regulamentos também impedem qualquer engenheiro ou cientista dos EUA de ajudar a China na fabricação de chips sem aprovação específica, mesmo que esse americano esteja trabalhando em equipamentos na China que não estejam sujeitos a controles de exportação. Os regulamentos também reforçam o rastreamento para garantir que os chips projetados pelos EUA vendidos para empresas civis na China não cheguem às mãos dos militares chineses.

E, talvez o mais controverso, a equipe de Biden adicionou uma "regra de produto direto estrangeiro" que, como observou o Financial Times, "foi usada pela primeira vez pelo governo de Donald Trump contra o grupo de tecnologia chinês Huawei" e "de fato proíbe qualquer empresa americana ou não americana de fornecer a certas entidades chinesas hardware ou software cuja cadeia de suprimentos contenha tecnologia americana".

Esta última regra é enorme, porque os semicondutores mais avançados são feitos pelo que chamo de "coalizão adaptativa complexa" de empresas dos Estados Unidos, Europa e Ásia.

Pense desta forma: AMD, Qualcomm, Intel, Apple e Nvidia se destacam no projeto de chips que possuem bilhões de transistores empacotados cada vez mais firmemente para produzir o poder de processamento necessário. A Synopsys e a Cadence criam ferramentas e softwares sofisticados de design assistido por computador nos quais os fabricantes de chips realmente elaboram suas ideias mais novas. A Applied Materials cria e modifica os materiais para forjar os bilhões de transistores e fios de conexão no chip. A holandesa ASML fornece as ferramentas de litografia em parceria com, entre outras, a alemã Zeiss SMT, especializada em lentes ópticas, que desenha os estênceis nas pastilhas de silício a partir desses projetos, usando luz ultravioleta profunda e extrema –um comprimento de onda curto que pode imprimir desenhos minúsculos num microchip. Intel, Lam Research, KLA e empresas da Coreia ao Japão e Taiwan também desempenham papéis importantes nessa coalizão.

O ponto é: quanto mais estendemos os limites da física e da ciência dos materiais para colocar mais transistores em um chip para obter mais poder de processamento e continuar avançando a inteligência artificial, menor a probabilidade de que qualquer empresa ou país possa se destacar em todas as partes do processo de projeto e fabricação. Precisamos de toda a coalizão. A razão pela qual a Taiwan Semiconductor Manufacturing Co., conhecida como TSMC, é considerada a principal fabricante de chips do mundo é que todos os membros dessa coalizão confiam à TSMC seus segredos comerciais mais íntimos, que ela então combina e aplica em benefício do todo.

Como os parceiros da coalizão não confiam que a China não roubará sua propriedade intelectual, Pequim fica tentando replicar por conta própria, com tecnologias antigas, os chips fabricados pelas estrelas mundiais. A China conseguiu furtar certa quantidade de tecnologia de chips, incluindo tecnologia de 28 nanômetros da TSMC, em 2017.

Até recentemente, pensava-se que a principal fabricante de chips chinesa, a Semiconductor Manufacturing International Co., estivesse emperrada principalmente nesse nível de chip, embora afirme ter produzido alguns na escala de 14 nm e até 7 nm, por meio da manipulação de litografia de UV Profunda mais antiga, da ASML. Especialistas dos EUA me disseram, no entanto, que a China não pode produzir em massa esses chips com precisão sem a mais recente tecnologia da ASML –que agora está banida do país.

Entrevistei a secretária de Comércio dos EUA, Gina Raimondo, que supervisiona os novos controles de exportação de chips e os US$ 52,7 bilhões que Biden acaba de designar para apoiar mais pesquisas nos EUA sobre semicondutores de próxima geração e trazer a fabricação avançada de chips de volta. Raimondo rejeita a ideia de que as novas regulamentações sejam equivalentes a um ato de guerra.

Joe Biden, presidente dos EUA, observa computador quântico, durante visita à sede da IBM, em Nova York - Mandel Ngan - 6.out.22/AFP

"Os EUA estavam numa posição insustentável", disse-me. "Hoje estamos comprando 100% de nossos chips de lógica avançada no exterior –90% da TSMC em Taiwan e 10% da Samsung na Coreia." (Isso é muito louco, mas é verdade.)

"Não fabricamos nos EUA nenhum dos chips de que precisamos para inteligência artificial, para nossas Forças Armadas, para nossos satélites, para nossos programas espaciais" –sem mencionar a miríade de aplicativos não militares que impulsionam nossa economia. A recente Lei Chips, disse ela, foi a "iniciativa ofensiva" para fortalecer todo o ecossistema de inovação para que mais chips avançados sejam fabricados nos EUA.

Impor à China os novos controles de exportação de tecnologias avançadas de fabricação de chips, disse ela, "foi nossa estratégia defensiva. A China tem uma estratégia de fusão militar-civil", e Pequim deixou claro "que pretende se tornar totalmente autossuficiente nas tecnologias mais avançadas" para dominar tanto os mercados comerciais civis quanto o campo de batalha do século 21. "Não podemos ignorar as intenções da China."

Então, para proteger aos EUA e aliados, e todas as tecnologias inventadas individual e coletivamente, "o que fizemos foi o próximo passo lógico, impedir que a China chegasse ao próximo passo", acrescentou ela. Os EUA e seus aliados projetam e fabricam "os chips de supercomputação mais avançados, e não os queremos nas mãos da China e usados para fins militares".

O foco principal, concluiu Raimondo, "é jogar no ataque –inovar mais rápido que os chineses. Mas, ao mesmo tempo, vamos enfrentar a crescente ameaça que eles representam protegendo o que precisamos. É importante reduzir a escala onde pudermos e fazer negócios onde pudermos. Não queremos conflito. Mas temos que nos proteger de olhos bem abertos".

O jornal estatal chinês Global Times publicou em editorial que a proibição apenas irá "fortalecer a vontade e a capacidade da China de ser autossuficiente em ciência e tecnologia". A Bloomberg citou um analista chinês não identificado dizendo que "não há possibilidade de reconciliação".

Bem-vindo ao futuro.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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