Thomas L. Friedman

Editorialista de política internacional do New York Times desde 1995, foi ganhador do prêmio Pulitzer em três oportunidades

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Thomas L. Friedman
Descrição de chapéu mudança climática

Biden pode salvar Oriente Médio com investimentos ambientais

Estudo aponta que reabilitação do rio Jordão pode dar incentivo de bilhões de dólares ao PIB da região

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Há dois dramas acontecendo hoje ao longo das margens do rio Jordão, representando as duas forças mais poderosas que moldam a política em Israel e seu entorno. Diga-me qual deles domina e eu lhe direi como serão as relações entre judeus e árabes.

Um deles é a lógica do tribalismo. Ela foi manifestada de maneira inequívoca no recém-eleito governo israelense ultranacionalista e ultrarreligioso, impelido ao poder pela intensificação dos enfrentamentos entre palestinos da Cisjordânia e israelenses em geral e pelo aumento da atividade criminosa de árabes israelenses contra outros árabes israelenses e judeus em particular. Tudo isso é movido pelo lema tribalista "eu e meu irmão contra meu primo, e eu, meu irmão e meu primo contra o forasteiro".

Pessoas caminham perto do rio Jordão, em Jericó, na Cisjordânia - Menahem Kahana - 14.out.22/AFP

O líder israelense dessa coalizão é Binyamin Netanyahu, que venceu a eleição com uma campanha voltada a disseminar o medo e a resistir à partilha de poder com os habitantes palestinos da Cisjordânia e os cidadãos palestinos de Israel. A mensagem principal de Netanyahu foi endereçada aos judeus israelenses: apenas eu posso proteger vocês contra o outro.

Mas ao mesmo tempo em que essa eleição acontecia, outra lógica também estava em ação: a da natureza, segundo a qual quando o clima muda, como está mudando agora, não são as espécies mais fortes ou mais inteligentes que sobrevivem. São as que se adaptam melhor.

E os ecossistemas que têm a maior capacidade de adaptação geralmente são os mais diversos, ricos em espécies que oferecem maneiras diferentes de adaptação. Eles prosperam porque são capazes de criar interdependências sadias entre diferentes plantas e animais e, assim, maximizar sua resiliência.

O lema deles é "eu, meu irmão, meu primo e o forasteiro, todos colaborando naturalmente para que possamos avançar juntos, não cair juntos". Um exemplo desse tipo de pensamento foi a aliança ambiental tácita forjada pelo governo israelense anterior de união nacional, liderado por Yair Lapid e Naftali Bennett, em colaboração com líderes da Jordânia, da Palestina e dos Emirados Árabes Unidos.

É verdade que o governo israelense anterior se dedicava ao pensamento de resistência quando era preciso, prevenindo ataques iranianos e palestinos contra israelenses. Mas também praticava um pensamento criativo de resiliência, baseado na lógica: a mudança climática vai matar todos nós muito tempo antes de começarmos a matar uns aos outros, a não ser que produzamos fontes de água mais sustentáveis. Isso precisa começar pela recuperação do rio Jordão, que alimenta esta região há milênios.

Hoje isso exige formas inusitadas de colaboração entre judeus e árabes.

Vim para cá, o ponto mais baixo da Terra, onde se encontram a cidade de Jericó, o rio Jordão e o Mar Morto, para divulgar essa coalizão emergente em torno da natureza e do clima. Meu guia foi Gidon Bromberg, cofundador da EcoPeace Middle East, organização integrada por jordanianos, palestinos e israelenses que lutam para sustentar uma das regiões do planeta mais afetadas pela escassez de água.

Bromberg começou por apontar duas coisas surpreendentes e interrelacionadas. Antigamente essa região do vale do Jordão era dominada por sítios que cultivavam uma variedade grande de frutas e vegetais. Hoje, infelizmente, a maior parte da terra é ocupada por palmeiras produtoras de tâmaras.

O segundo ponto é que o rio Jordão, na curva onde nos encontrávamos –o lugar onde João Batista teria batizado Jesus, segundo a tradição—, antigamente tinha cerca de cem metros de largura, com corredeiras. Hoje o rio tem entre cinco e dez metros de largura nesse ponto, sem corredeiras, razão por que pudemos ver peregrinos cristãos em pé confortavelmente no meio do rio Jordão sendo batizados por seu padre.

Qual é a conexão entre as duas coisas? Hoje faz tanto calor aqui, e por muito mais tempo a cada ano que passa (quase 46 ºC em agosto), que a única variedade que ainda pode ser cultivada são tamareiras. Mas isso só é possível se as palmeiras contam com bastante água, e essa água corre perigo de se esgotar.

Sem um rio Jordão sadio, nem sequer tamareiras vão sobreviver aqui. Recentemente o site Middle East Eye citou um agricultor jordaniano comentando como sua estação de plantio se tornou irregular:

"Costumávamos começar a plantar em julho, mas agora começamos em setembro ou mesmo outubro" porque o calor é excessivo nos meses do verão. "Mas então esfria em pouco tempo", às vezes não dando tempo para os vegetais sobreviverem. Em outubro de 2021, escrevi sobre as linhas gerais de algo que eu esperava que pudesse se tornar um novo tipo de tratado de paz entre árabes e israelenses: um que fomentaria a resiliência entre as partes e não apenas acabaria com a resistência entre elas.

O texto foi rubricado por Jordânia, Israel e Emirados Árabes Unidos numa conferência em Dubai, com a ajuda do enviado climático dos EUA, John Kerry. No mês passado, na conferência climática em Sharm el-Sheikh, no Egito, esses países deram um passo a mais e firmaram um novo memorando para completar o estudo de viabilidade dessa colaboração singular.

O tratado provisório prevê que os Emirados Árabes Unidos levem capital de investimento com o qual a Jordânia possa construir em seu vasto deserto uma usina solar com 600 megawatts de capacidade, para produzir energia limpa que Israel acessaria para ampliar suas usinas litorâneas de dessalinização (que em breve estarão fornecendo a Israel 90% de sua água doce) e bombear parte dessa água dessalinizada para o Mar da Galileia e então mais abaixo, para o ampliado e corretamente filtrado rio Jordão, para que este possa voltar a ser o transportador regional de água que a natureza o criou para ser.

Se o presidente Joe Biden conseguir ajudar a concretizar esse grande projeto, essa poderá ser a maior contribuição dos EUA à paz no Oriente Médio desde Camp David. Um estudo da EcoPeace argumenta que a reabilitação do rio Jordão e do vale do Jordão pode, com o tempo, dar um incentivo de múltiplos bilhões de dólares ao PIB conjunto dos habitantes israelenses, palestinos e jordanianos da área, cujo nível anual hoje não passa de meros US$ 4 bilhões (R$ 20,8 bilhões).

Para falar sem rodeios, com o velho processo de paz hoje tão morto quanto o Mar Morto, temos que torcer para que o puro autointeresse em resposta a desafios naturais impulsione uma colaboração enorme em torno de água e energia limpa.

Gosto da analogia proposta por Bromberg: a União Europeia, ele observou, foi criada após a Segunda Guerra "para atrelar os dois recursos naturais mais importantes na Europa na época, o carvão e o aço, para a criação de paz e prosperidade". De fato, quando a união foi fundada, recebeu o nome de Comunidade Europeia do Carvão e Aço. "Quais são o carvão e o aço de nossos tempos?", perguntou Bromberg. "São o mar, o sol e a areia."

Precisamos ajudar as partes aqui a colaborar para unir esses três elementos numa interdependência sadia cujo subproduto não seja apenas água limpa capaz de alimentar a agricultura, mas também confiança que possa ser reinvestida em sua política.

Tradução de Clara Allain

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.