Thomas L. Friedman

Editorialista de política internacional do New York Times desde 1995, foi ganhador do prêmio Pulitzer em três oportunidades

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Descrição de chapéu The New York Times

Aliança ultranacionalista de Netanyahu coloca Israel em túnel escuro

Ascensão de coalizão ultraortodoxa será elefante na sala para aliados de Tel Aviv

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The New York Times

Imagine que você acordou após a eleição presidencial de 2024 nos Estados Unidos e descobriu que Donald Trump tinha sido reeleito e escolheu Rudy Giuliani para procurador-geral, Michael Flynn para secretário de Defesa, Steve Bannon para secretário de Comércio, o líder evangélico James Dobson para secretário da Educação, o ex-líder do Proud Boys Enrique Tarrio para chefe de Segurança Interna e Marjorie Taylor Greene para porta-voz da Casa Branca.

"Impossível", você diria. Bem, pense novamente.

Binyamin Netanyahu, provável próximo premiê de Israel, chega a evento de campanha na cidade de Netivot
Binyamin Netanyahu, provável próximo premiê de Israel, chega a evento de campanha na cidade de Netivot - Amit Elkayam - 19.out.22/The New York Times

Como observei antes, as tendências políticas israelenses costumam ser um prenúncio de tendências mais amplas nas democracias ocidentais –de fora da Broadway para a nossa Broadway. Eu esperava que o governo de unidade nacional que chegou ao poder em Israel em junho de 2021 também pudesse ser um prenúncio de mais bipartidarismo aqui. Infelizmente, esse governo agora entrou em colapso e está sendo substituído pela coalizão mais extrema direita da história de Israel.

Que Deus nos salve se isso for um prenúncio do que está vindo em nossa direção.

A coalizão que o líder do Likud, Bibi Netanyahu, está trazendo de volta ao poder é o equivalente israelense do pesadelo do gabinete dos EUA que imaginei acima. Só que é real –uma aliança turbulenta de líderes ultraortodoxos e políticos ultranacionalistas, incluindo alguns extremistas judeus racistas e antiárabes que já foram considerados completamente fora das normas e limites da política israelense.

Como é praticamente impossível para Netanyahu construir uma coalizão majoritária sem o apoio desses extremistas, é quase certo que alguns deles serão ministros do gabinete no próximo governo israelense.

À medida que essa realidade antes impensável se instalar, uma questão fundamental agitará as sinagogas dos EUA e do mundo todo: "Eu apoio esse Israel ou não apoio?". Isso vai assombrar estudantes pró-Israel nos campi universitários. Vai desafiar os aliados árabes de Israel nos Acordos de Abraão, que só queriam negociar com Israel e nunca se ofereceram para defender um governo contra os árabes israelenses.

Vai estressar os diplomatas dos EUA que defenderam Israel como democracia judaica que compartilha os valores americanos e fará os congressistas amigos de Israel fugirem de qualquer repórter perguntando se os EUA devem seguir enviando bilhões de dólares a um governo inspirado no extremismo religioso.

Você não viu esse jogo antes porque nenhum líder israelense ainda "foi lá".

Netanyahu foi levado ao poder por companheiros que: veem os cidadãos árabes israelenses como uma quinta coluna em quem não se pode confiar; prometeram assumir o controle político das nomeações judiciais; acreditam que os assentamentos judaicos devem ser expandidos para que não haja um centímetro deixado em qualquer lugar da Cisjordânia para um Estado palestino; querem aprovar mudanças judiciais que congelem o julgamento de corrupção de Netanyahu em andamento; e expressam desprezo pelo longo e forte abraço de Israel aos direitos LGBTQIA+.

Estamos falando de pessoas como Itamar Ben-Gvir, condenado por um tribunal israelense em 2007 por incitação ao racismo e apoio a uma organização terrorista judaica. Netanyahu forjou pessoalmente uma aliança entre o partido Poder Judaico, de Ben-Gvir, e Bezalel Smotrich, líder do Sionismo Religioso, que os transformou (surpreendentemente para muitos israelenses) na terceira maior sigla do país –dando a Netanyahu os aliados de que o Likud precisava para ganhar uma maioria parlamentar nas eleições.

Os ultranacionalistas Itamar Ben-Gvir (esq.) e Bezalel Smotrich, líderes da coalizão Sionismo Religioso, em evento durante a campanha em Sderot - Gil Cohen-Magen - 26.out.22/AFP

Smotrich é conhecido por, entre outras coisas, sugerir que as mães judias israelenses deveriam ser separadas das mães árabes nas maternidades dos hospitais israelenses. Ele há muito defende a anexação total da Cisjordânia por Israel e argumentou que "não existe terrorismo judaico" quando se trata de colonos revidando por conta própria a violência palestina.

Netanyahu tem procurado cada vez mais ao longo dos anos alavancar a energia desse eleitorado iliberal para ganhar o cargo, não muito diferente de como Trump usa o nacionalismo branco, mas Bibi nunca trouxe esse elemento radical –como Ben-Gvir, que afirmou ter se moderado porque disse a apoiadores que gritassem "morte aos terroristas" em vez de "morte aos árabes"– para sua facção ou gabinete de governo.

À medida que mais aliados de Netanyahu no Likud se afastavam dele em razão de seu suposto comportamento criminoso e de suas mentiras, no entanto, Bibi teve que ir cada vez mais longe da corrente dominante da política israelense para obter votos suficientes para governar e aprovar uma lei para abortar seu próprio julgamento e possível prisão.

Netanyahu tinha solo político fértil para trabalhar, explicou-me Nahum Barnea, colunista do jornal israelense Yediot Ahronot. Houve um aumento drástico da violência –esfaqueamentos, tiroteios, guerra de gangues e crime organizado– por árabes israelenses contra outros árabes israelenses, e gangues e crime organizado de árabes israelenses contra judeus israelenses, particularmente em comunidades mistas.

O resultado é que, "como nos EUA, o 'policiamento' se tornou um grande problema em Israel nos últimos anos", disse Barnea –e mesmo que esse aumento tenha começado quando Netanyahu era premiê, ele e seus aliados antiárabes culparam os árabes e a unidade nacional do governo israelense por tudo.

Mas Netanyahu também foi ajudado pelo fato de que, embora a direita e a extrema direita estivessem altamente energizadas tanto pelo crescente medo quanto pela desconfiança em relação aos árabes –fossem cidadãos árabes israelenses ou palestinos na Cisjordânia–, seus oponentes de centro e centro-esquerda não tinham uma mensagem contrária coerente ou inspiradora.

Como me disse Barnea: "Israel não está dividido ao meio", com 50% pró-Netanyahu e os outros 50% com uma mensagem unificada e uma estratégia de oposição a ele. "Não, Israel está dividido entre os 50% que são pró-Netanyahu e os 50% que são pró-bloqueio de Netanyahu. Mas isso é tudo em que eles conseguem concordar", disse Barnea. E isso apareceu nesta eleição. E não foi suficiente.

Por que tudo isso é tão perigoso? Moshe Halbertal, filósofo da Universidade Hebraica, captou bem: durante décadas, membros da direita israelense, a grande maioria dos quais "falcões da segurança", acreditaram que os palestinos nunca aceitaram e nunca aceitarão um Estado judeu próximo deles, e portanto Israel precisava usar quaisquer meios militares necessários para se proteger deles.

Mas a agressividade israelense em relação aos palestinos, explicou Halbertal, "agora está se transformando em algo novo –uma espécie de ultranacionalismo geral" que não apenas rejeita qualquer noção de Estado palestino, como também vê todos os árabes israelenses –que compõem cerca de 21% da população de Israel, quase 20% de seus médicos, cerca de 25% de seus enfermeiros e quase metade de seus farmacêuticos– como potenciais terroristas.

Ao mesmo tempo, essa eleição não é só uma luta sobre o futuro de Israel, disse ele, mas também "sobre o futuro do judaísmo em Israel". "A Torá representa a igualdade de todas as pessoas e a noção de que todos somos criados à imagem de Deus. Os israelenses, dentre todas as pessoas, precisam respeitar os direitos das minorias porque nós, como judeus, sabemos o que é ser uma minoria" –com e sem direitos.

"Este é um profundo ethos judaico", acrescentou Halbertal, "e agora está sendo contestado dentro do próprio país. Mas quando você tem essas ameaças de segurança viscerais na rua todos os dias fica muito mais fácil para essas ideologias feias se ancorarem."

Isso terá um efeito profundo nas relações EUA-Israel. Mas não acredite na minha palavra. Em 1º de outubro, o site Axios publicou uma reportagem citando o que, segundo fontes, o senador democrata Bob Menendez, de Nova Jersey, que lidera o Comitê de Relações Exteriores, disse a Netanyahu durante uma viagem a Israel em setembro. Nas palavras de uma das fontes, o senador alertou que, se Netanyahu formasse um governo após as eleições de 1º de novembro que incluísse extremistas de direita, ele poderia "desgastar seriamente o apoio bipartidário em Washington". Isso está prestes a acontecer.

Eu tenho feito reportagens de Israel para o New York Times há quase 40 anos, muitas vezes viajando com meu querido amigo Nahum Barnea, um dos jornalistas mais respeitados, sóbrios, equilibrados e cuidadosos do país. Ouvi-lo falar minutos atrás no telefone que "temos um tipo diferente de Israel agora" me diz que estamos realmente entrando em um túnel escuro.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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