Úrsula Passos

Repórter da Ilustrada, coordena o Clube de Leitura Folha e o Encontro de Leituras, parceria do jornal com o português Público, e é mestre em filosofia pela USP.

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Úrsula Passos

O que não é espelho

Os que um dia foram excluídos usam do mesmo expediente dos dominantes

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Antes das redes sociais serem tomadas de assalto, na noite de quinta (16), pelo vídeo de Roberto Alvim substituindo Alemanha por Brasil em discurso de nazista, os assuntos mais discutidos, ao menos na minha bolha, eram a venda de órgãos e o público potencial de um festival de música que acontece em março.

As pessoas estavam indignadas —elas sempre estão— porque um evento que "pretende reconhecer, valorizar, transformar e celebrar o papel das mulheres na cultura", segundo sua descrição, seria invadido por homens gays. O festival também se diz feito por mulheres, mas para receber todos os gêneros.

A festa vende o empoderamento feminino e o combate a uma lógica de festivais em que mulheres aparecem pouco e ganham menos ainda. 

No lineup, Kylie Minogue, ícone dos gays. Mas aqueles e aquelas que faziam comentários homofóbicos e generalizantes sobre homens gays esperavam que eles ficassem em casa ouvindo as músicas da cantora australiana enquanto apenas mulheres pudessem vê-la e ouvi-la ao vivo. 

A cantora australiana Kylie Minogue - AFP

A revolta nas redes é apenas mais um sintoma da criação, ou de desejos de criação, de espaços físicos exclusivos para as minorias. Ainda que, neste caso, seja uma espécie de exacerbação da ideia de "safe spaces", é impossível deixar de pensar neles.

O conceito, que surgiu em universidades americanas, espalhou-se e, também aqui, mulheres, negros, LGBTs e outros grupos marginalizados concebem ambientes nos quais o outro não pode entrar. 

O diferente, no entanto, nem sempre é o privilegiado homem cis hétero branco, e os que um dia foram excluídos e silenciados usam do mesmo expediente com o que não é espelho.

Com argumentos que orbitam palavras como segurança, proteção, liberdade e voz, guetos são gerados. Que valor democrático há em ser o que se é e dizer o que se quer apenas diante de iguais que estão de acordo? 

Ao se deixar de lado o desconforto do cansativo embate também se possibilita ao dominante, vale lembrar, o conforto de não ser confrontado. 

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