Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire
Descrição de chapéu ameaça autoritária

Bolsonarismo vai além de Bolsonaro e empata o país na ruína

Presidente pode empatar jogo no 7 de Setembro, mas ideais destrutivos seguem vencendo

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A pororoca do 7 de Setembro bolsonarista talvez sirva para Jair Bolsonaro mostrar que uma tentativa de impeachment ou de torná-lo inelegível de outro modo teriam custos, como tumultos nas ruas ou motins militares; de resto, quer manter viva a chama infernal de sua seita. Isto é, a depender do tamanho das manifestações, Bolsonaro poderia em tese tentar garantir o empate em um jogo que, na verdade, já vinha empatado: mesmo agora, ninguém com poder quer derrubá-lo.

E depois?

O presidente Jair Bolsonaro, momentos antes de receber o presidente de Guiné Bissau, Umaro Sissoco Embalo, no Palácio do Planalto - Adriano Machado - 24.ago.2021/Reuters

O comportamento ultrajante, a mentira lunática, o golpeamento institucional e a destruição do “sistema” são o projeto de Bolsonaro. Em que nível de estridência vai manter seu programa? Quais medidas terão de ser adotadas para conter seus próximos avanços, por arranjos e processos devidos na Justiça, a única oposição de fato? Sem confronto, não há solução.

No mundo real, Bolsonaro tem problemas que não podem ser contidos por meio de desvario obscurantista.

Há o risco real de racionamento de eletricidade. A inflação e seu controle (juros) vão ter efeitos persistentes sobre os rendimentos de pelo menos metade da população. Mesmo que o IPCA caia da casa dos 8% para a dos 4% no ano que vem, não haverá trabalho ou alta do rendimento que compensem o que se perdeu com a carestia. O empobrecimento dos mais pobres será duradouro.

Ainda que contida, a partir de novembro, a epidemia terá deixado destroços sociais. Em 2022 o crescimento deve voltar à média dos anos menos piores do desastre que vemos desde 2014, algo perto de 1,5% ao ano, quase estagnação. O centrão pode desembarcar em março.

Porém, com alguma sorte, talvez não venha o racionamento estrito. A epidemia deve refluir. A economia tende a crescer uns 5% neste ano (se não houver o choque de energia). Sim, trata-se de recuperação apenas do que se perdeu em 2019, de uma retomada desigual, com mais fome e pobres, mas que vai beneficiar parte da população.

Além do mais, com o aumento forte da arrecadação e um provável arranjo no caso dos precatórios com a ala contemporizadora do STF, o governo pode ter dinheiro para inventar um programa de transferência de renda ruim e insustentável, mas que talvez recupere pontos de popularidade.

Há mais. O bolsonarismo tem bases sociais reais e que precedem Bolsonaro. O agronegócio mais reacionário (larga maioria), evangélicos, militares e os novos muito ricos empresários do setor de serviços e do interior agropop se sentiam pouco representados, em termos de poder e prestígio ideológico. Chegaram lá. Não querem ser rebaixados.

De resto, boa parte da finança e da cúpula empresarial não liga para a Grande Involução que é o bolsonarismo. Isto é, desde que os negócios não sejam muito prejudicados no curto prazo e que se passem “reformas”, em particular as que esfolam mais o povaréu e não mexam muito na falta de concorrência e em favores estatais. Bolsonaro ainda tem onde catar apoio.

Dadas a falta de dinheiro público, a perspectiva de crescimento baixo, a incerteza política até 2023
(pelo menos) e a economia cronicamente disfuncional, não haverá investimento bastante para evitar a degradação de infraestrutura e da oferta geral de bens e serviços; a destruição ambiental e o desastre ainda maior da educação também são empecilho para dias melhores. Mas a miopia bárbara e contraproducente tem sido a regra na última quase década. É um obstáculo para a reconstrução e a desbozificação do país.

Em suma, Bolsonaro tem meios de empatar o jogo, de evitar a queda; o bolsonarismo pode ir muito além.

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