Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire
Descrição de chapéu transição de governo

Lula 3 desfaz amigos e negócios, perde dois meses e começa 23 no prejuízo

Não há tempo a perder em área alguma, mas, na economia, o governo de transição voltou para trás

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O trabalho de reconstrução de governo e de recuperação da decência humana básica vai ser demorado, dados desastres dos anos de trevas, 2019-2022. Na administração pública, os relatos de pessoas razoáveis que trabalham na transição dizem que o estrago é maior do que o já sabido em áreas como ambiente, educação, saúde, ciência e tecnologia, assistência social (Bolsa Família etc.) ou polícia.

Claro, na economia os problemas também são ruins, alguns grotescos, como não haver dinheiro para pagar contas obrigatórias básicas. Não há tempo a perder em área alguma, mas, na economia, o governo de transição voltou para trás.

O estrago recente não é, de modo algum, irreversível. No entanto, o clima de otimismo que se via até o segundo turno começou a se desfazer nos primeiros dez dias de novembro. Na economia, é possível fazer estrago mesmo antes do começo de um governo.

O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) - Evaristo Sá/AFP

O otimismo mensurável era o das condições financeiras: taxas de juros em tendência de queda desde julho, discussões sobre a possibilidade de o Banco Central até antecipar o início do corte da Selic para antes da metade de 2023, embora a direção do BC não chancelasse essa animação de povos dos mercados. Agora, entre outros problemas, o debate é sobre o adiamento do primeiro corte da Selic para o último trimestre de 2023.

Não é o único aspecto a se levar em conta, embora taxas de juros altas deprimam ânimos de expandir negócios e contratar mais trabalho. Além dos indicadores de confiança, em baixa, não há medida do que vai ser a atitude empresarial, porém.

Mas já é possível ouvir conversa de "vamos segurar um pouco mais". Executivos de empresas graúdas dizem que o primeiro trimestre vai ser de "observação". Outros, mais numerosos, dizem que o "orçamento" (das empresas) para o ano que vem já estava dado faz mais tempo, antes da eleição, em retranca leve, pois a economia iria perder ritmo, de qualquer modo. O saldo dessa dúzia de conversas, como se vê, não é bom.

Relatórios de bancões estrangeiros em geral continuam animados com o Brasil. Não é incomum ler por aí ainda a tese de que o país começou seu ajuste monetário mais cedo; que a dívida pública não explodiu; que, por comparação com outros "emergentes", o país até se destaca.

Alguns já notam que o "desempenho dos ativos" brasileiros destoa negativamente, no último mês (o real não se valorizou, títulos de dívida perderam valor, Bolsa ainda mais). Parecem surpresos com alguma coisa, embora não devam ser ingênuos a respeito das pendengas políticas brasileiras.

No que é possível medir, repita-se, se andou para trás. O final do ano está aí. Alguma clareza, só em 2023. Dois meses perdidos, fora a regressão.

Não houve indicação mais decisiva do que pode ser a política econômica. Os primeiros discursos de Fernando Haddad ainda são vagos. Foi péssimo nomear Aloizio Mercadante para o BNDES com o tempero de um casuísmo vexaminoso, mudar a lei para evitar que sua indicação fosse contestada na Justiça. Passa a impressão de que a Lei das Estatais pode virar trapo a qualquer momento.

Nada disso é prognóstico, mas é expectativa ruim. Exigiria muita estupidez e esforço reviver o estrago feito pelas políticas de crédito subsidiado por imenso endividamento público, via BNDES, e a malversação geral da Petrobras. Mas o eterno retorno da burrice é um motivo condutor da história brasileira.

Para não ser assim dramático, voltando às miudezas, se pode dizer que, para compensar o climão, não houve nem ao menos um anúncio, uma ideia, um discurso ou outra cenoura que pudesse servir de distração, um motivo para sustentar otimismos.

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