Wilson Gomes

Professor titular da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e autor de "Crônica de uma Tragédia Anunciada"

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Wilson Gomes
Descrição de chapéu jornalismo tecnologia

O nada desimportante impasse da regulação das comunicações digitais

As incertezas estão na disputa intragovernamental para responder ao problema

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A julgar pelo número de iniciativas apresentadas pelo governo nos seus dois primeiros meses, as comunicações mediadas por plataformas e ambientes digitais são vistas como um dos grandes problemas sociais. Por "comunicação" entendo, aqui, a conversa pública, a produção e disseminação de opiniões, interpretações e relatos sobre assuntos de interesse comum e o debate político em ambientes digitais.

A ascensão do trumpismo em 2016, a conquista do poder pelo bolsonarismo em 2018, o assombroso crescimento da extrema direita internacional desde 2015, a tragédia de vivermos uma pandemia global numa circunstância em que essa extrema direita, com absoluto domínio de técnicas e redes digitais, conseguiu politizar e manipular o combate à doença, com as consequências catastróficas que conhecemos, mostraram a todos a face sombria da nova esfera pública baseada em arenas digitais. Ainda mais quando se constata que nos últimos anos a esquerda agora "empoderada" também aprendeu a jogar o jogo do assédio, da propagação de fake news e dos linchamentos digitais.

Na ilustração, um homem atolado dentro de um lamaçal de cor avermelhada. Ele veste uma armadura medieval. Na mão direita uma grande espada. Com o braço esquerdo segura, a modo de escudo, um enorme telefone celular. Na tela, mensagens de conversa em azul e verde. Longe à direita, uma ponte avermelhada, semi destruída afunda no lamaçal. No horizonte um céu pontilhado em tons de cinza.
Ilustração de Ariel Severino para coluna de Wilson Gomes de 28.fev.23 - Ariel Severino

De todo modo, quem poderá dizer que está errado o governo na sua percepção da gravidade da situação depois de avaliarmos o estrago que a disseminação de fake news e teorias da conspiração, a formação e atuação de milícias digitais, a difusão de comportamentos voltados para a perseguição, a difamação e o assassinato de reputações provocaram em todo o mundo, incitando ao extremismo antidemocrático, impedindo eleitores e afetados pela pandemia de tomarem decisões bem-informadas, além de atacar deslealmente a credibilidade da ciência, do jornalismo, da Justiça e das instituições republicanas?

As incertezas, portanto, não estão no reconhecimento da gravidade do problema, mas talvez nessa espécie de competição intragovernamental para a ele responder. Os que concordam que a digitalização e a plataformização da comunicação pública política trouxeram consigo ameaças seríssimas à vida democrática e a valores importantes da democracia liberal —como a tolerância, o respeito a minorias, a condução da sociedade pela busca de consensos esclarecidos– não se sentem mais tranquilos sabendo que no Governo Federal estão ativos neste momento nada menos que um GT no Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, um conselho no Ministério da Justiça e Segurança Pública, uma Procuradoria de Defesa da Democracia na AGU e uma subsecretaria de Políticas Digitais na Secom, todos sem exceção se ocupando do "enfrentamento da desinformação", como dizem.

Falta articulação? Na verdade parece que são vários governos disputando uma gincana, mas o que realmente falta é um esforço para conquistar a benevolência dos principais implicados, pois se é fácil reconhecer o problema que se quer enfrentar, as alternativas à mesa passam todas por mexer na liberdade de expressão. E isso em um universo, como o das comunicações digitais, que é radicalmente avesso a regulações e intervenções de governos desde a sua origem.

As empresas ditas de plataformas não desejam, obviamente, serem reguladas como as empresas de mídia, das quais querem se distinguir. As empresas de mídia, embora sejam atadas a normas desde o seu surgimento, não querem saber de controle de conteúdo porque é do seu DNA não só desconfiar do Estado como achar que se governos conseguirem regular plataformas o próximo passo seria garrotear o jornalismo.

Os partidos e as organizações da sociedade civil, por sua vez, se dividem nos seus sentimentos acerca do que fazer com as comunicações digitais inescrupulosas: os usuários e beneficiários não querem nem ouvir falar em "absurdos" como remoção de conteúdo, banimento de perfis ou criminalização de publicações; os que foram objeto de processos de satanização, destruição de imagem pública e radicalização do país por meio da disseminação de falsidades e de outros malfeitos que só o digital permite, querem que alguma coisa seja feita "para ontem"; os progressistas não partidarizados, horrorizados com uma sociedade afogando em mentiras e a reboque das máquinas de propaganda suja digital, querem providências, mas não têm certeza se podem confiar esta tarefa, que toca numa das pedras angulares da democracia liberal, "aos que agora estão por cima" em uma sociedade partida ao meio, extremamente polarizada e em que a raiva e a vontade de revanche estão na ordem do dia.

Assim, apesar da gravidade do problema e da abundância de jogadores em campo em busca de soluções, estamos diante de um impasse —e ele não é pequeno ou desimportante.

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