Governo Lula defende regulação de redes sociais em fórum global da ONU

Discussões domésticas sobre regras a serem impostas às big techs, no entanto, enfrentam obstáculos

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Paris

Em carta enviada à Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defendeu a regulação das redes sociais para evitar o que chamou de ameaça à democracia por plataformas online.

"Não podemos permitir que a integridade das nossas democracias seja afetada por poucos atores que controlam as plataformas digitais", diz a carta à diretora-geral Audrey Azoulay, lida nesta quarta (22) pelo secretário de Políticas Digitais da Secom, João Brant, na conferência global "Internet for Trust", em Paris.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) discursa durante cerimônia no Palácio do Planalto, em Brasília
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) discursa durante cerimônia no Palácio do Planalto, em Brasília - Ueslei Marcelino - 16.fev.23/Reuters

A conferência da Unesco tem debatido diretrizes globais para regulação da internet. A carta do petista, que pleiteia uma legislação "que corrija as distorções de um modelo de negócios que gera lucros com a exploração dos dados dos usuários", foi lida em meio à discussão no governo brasileiro para a adoção de regras que obriguem redes sociais a remover conteúdo que viole a Lei do Estado democrático de Direito.

Após oposição do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o Planalto recuou da intenção de elaborar uma medida provisória que impunha às plataformas o "dever de cuidado", ou seja, a obrigação de impedir a disseminação de conteúdo que viole a lei, como pedidos de abolição do Estado de Direito, estímulo à violência para deposição do governo ou incitação de animosidade entre as Forças Armadas e os Poderes.

Agora, a ideia é incorporar as medidas no projeto de lei 2630, conhecido como PL das fake news, mas há dúvidas sobre a viabilidade para tal. De relatoria do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), a proposta tramita há três anos. Foi aprovada no Senado, mas empacou na Câmara diante de controvérsias.

Um dos pontos em discussão é a previsão de estender a imunidade parlamentar para a atuação em plataformas online. O ponto é uma prioridade de Lira, mas enfrenta resistência em alas do governo e da sociedade civil, por ser visto como uma liberdade para políticos desinformarem impunemente.

Outra barreira é o fato de o projeto não prever punição às plataformas de internet que não agirem contra conteúdo que viole a lei. Hoje, segundo o Marco Civil da Internet, essas plataformas só podem ser responsabilizadas se não removerem conteúdo após ordem judicial. O governo defende uma flexibilização, para que haja como responsabilizar as empresas que não agirem de forma diligente.

Para uma ala do governo, caso a proposta não incorpore esse ponto, a regulação será inócua, porque manterá a imunidade das redes. Parte da sociedade civil e do Congresso, por outro lado, defende que a responsabilização levaria empresas a se censurarem ao remover conteúdos legítimos para evitar sanções.

O governo também se opõe à previsão de autorregulação, usando como argumento a demora das plataformas, durante a campanha eleitoral, para agir contra conteúdos que feriam suas próprias regras de uso. Tampouco há consenso sobre a necessidade de criar um órgão regulatório que determinaria se as empresas cumpriram seu dever de cuidado e se, caso contrário, deveriam ser multadas.

Outro ponto sensível é um ponto do PL que estabelece financiamento do jornalismo e negociação entre veículos de imprensa e plataformas de internet para pagamento de conteúdo. Empresas de comunicação como a Rede Globo são firmes defensoras da medida, enquanto as plataformas se opõem fortemente.

As diretrizes em discussão na Unesco enfatizam a necessidade de "lidar com conteúdo que é ilegal e que representa ameaça à democracia e aos direitos humanos", ao contrário da versão atual do projeto de lei, enquanto "garante a liberdade de expressão e o acesso à informação".

As regras em debate estabelecem que as plataformas deveriam analisar sistematicamente conteúdo que represente ameaça à democracia e adotar etiquetas indicando potenciais problemas, além de não fazer amplificação algorítmica nem monetização desses conteúdos. Ao mesmo tempo, as diretrizes da Unesco são contra a imposição de uma regra de monitoramento de conteúdo que leve a medidas proativas em relação a postagens e conteúdo ilegal –posição defendida pelo Ministério da Justiça.

"Plataformas digitais não deveriam ser responsabilizadas se agirem de boa-fé e com diligência e se conduzirem investigações e outras medidas para detectar, identificar e remover conteúdo ilegal", diz trecho do rascunho das diretrizes, que está sendo elaborado na conferência em Paris e deve ter sua versão final publicada no meio deste ano.

A proposta do Ministério da Justiça brasileiro, que seria incorporada ao PL das fake news, prevê responsabilização e remoção proativa de conteúdos pelas plataformas. No entanto, estabelece que as empresas não seriam responsabilizadas por determinadas postagens que violem a lei —elas só seriam multadas se houvesse descumprimento generalizado do "dever de cuidado".

Na carta à Unesco, Lula afirma que a campanha de desinformação que culminou nos ataques contra as sedes dos três Poderes, em 8 de janeiro, em Brasília, foram "alimentadas, organizadas e disseminadas por meio de diversas plataformas digitais e aplicativos de mensagens". "Isso precisa parar."

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