Zeca Camargo

Jornalista e apresentador, autor de “A Fantástica Volta ao Mundo”.

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Zeca Camargo

Torcendo por algo negativo na viagem

Quando o farmacêutico anunciou o resultado, desmontou minha tensão

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"Para trás, para trás!", foi só o que eu entendi. No ambiente tenso da farmácia na rua Oberkampf, no bairro da Bastilha, o funcionário falava tão rápido que eu, com meu francês "fluente" (excelente no sotaque, bom de vocabulário, sofrível na gramática), mal compreendia o que ele pedia aos gritos.

Basicamente ele lutava contra uma das características mais incontroláveis da humanidade: nossa propensão a nos aglomerarmos. Não era uma farmácia grande e talvez por isso eu a tivesse escolhido —a fila para o teste era pequena.

Que teste? Aquele que me assombra desde o dia em que aterrissei em Paris, cidade que eu tanto amo e que não visitava desde janeiro de 2020. Aquele sem o qual eu não poderia embarcar de volta para o Brasil. Aquele que me diria se eu tinha testado positivo ou negativo para Covid-19.

Funcionário de saúde colhe material de paciente para teste do novo coronavírus, na Espanha
Funcionário de saúde colhe material de paciente para teste do novo coronavírus, na Espanha - Susana Vera - 29.jan.2021

Mesmo antes do Natal, as ruas parisienses, tão lindas enfeitadas para as festas, estavam salpicadas de pequenas tendas brancas onde se lia uma palavra que eu ainda não conhecia: "dépistage". No dicionário, "triagem". Numa leitura pessoal e mais livre, "sentença".

Exagero, admito. Mas eu passava longe dessas barraquinhas, adiando o momento em que eu finalmente teria de encará-las. As filas eram geralmente grandes e lentas. Sobretudo para as reuniões de família de Natal e Ano Novo, os franceses estavam se testando em massa.


Não era para menos. Os casos de Covid-19, em especial os que envolviam a variante detectada mais recentemente, a ômicron, dispararam no país. E, mesmo sabendo que essa era menos ameaçadora (ainda que mais contagiosa), o pânico se instalou por Paris, dos grandes bulevares às passagens estreitas.

O protocolo era simples. Pelas ruas, a grande maioria não usava máscara. Mas ela sempre estava no bolso para entrar em qualquer lugar, hotéis, bares, restaurantes, lojas, museus. Junto, aliás, do passe sanitário, que era a prova (provável) de que você não estava com o vírus.

Não tendo conseguido tirar um via consulado no Brasil, viajei com o print que confirmava que eu havia recebido as duas doses de vacina e, mesmo em português, depois de uma rápida explicação, era bem aceito.

Com ele, não deixei de ir a nenhum lugar que eu queria. Ao novo Samaritaine. Ao Gran Palais Éphémère (só os franceses para batizar tão lindamente um prédio improvisado) para ver o artista alemão Anselm Kiefer. Ao cinema, para o novo Almodóvar. A dois ou três restaurantes favoritos.

Tinha que tomar um cuidado extra porque estava acompanhado da minha mãe. E porque não queria, de jeito nenhum, pegar a ômicron. Não merecia ter driblado a Covid por dois anos para, adaptando o chavão, "morrer no Sena".

E assim eu vagava por Paris, menos como um "flâneur" do que como um vigilante. Alerta laranja para as aglomerações em frente ao Hôtel de Ville! Passeio sem culpa (e sem máscara) pelo jardim do museu do Quai Branly...

Até que chegou o dia da partida, ou ainda, as 24 horas antes dela, quando você tem que fazer o teste para embarcar de volta. E eu estava lá tentando entender as instruções do funcionário da farmácia na Oberkampf.

Quase uma hora depois de esperar, eu estava, então, sentado com a cabeça levemente inclinada para trás, esperando meu swab francês. E, duas horas depois, eu estava de volta no mesmo endereço para ouvir o veredicto.

O suspense era sufocante, e quando o farmacêutico anunciou o resultado, o fez de uma maneira tão encantadoramente francesa que desmontou minha tensão: "pas positif" ("não positivo").

Pelo dia que me restava antes de embarcar, eu pude finalmente respirar Paris.

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