Descrição de chapéu Páscoa

Acrescente o azeite certo na combinação bacalhau e vinho

Confira regras de harmonização, cardápios para a semana santa e uma receita portuguesa de chef

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São Paulo

Cristãs ou não, muitas famílias brasileiras têm o costume de preparar bacalhoada para a sexta-feira santa. No prato, não pode faltar azeite, e ele costuma ser acompanhado de vinho.

As receitas são muitas. Cada família tem a sua. Boa parte das pessoas tem também a sua marca preferida de azeite e de vinho para a data. O velho trio, no entanto, não obrigatoriamente é a melhor combinação possível.

O mercado está cheio de novidades, principalmente no caso dos azeites. Há azeites especiais importados de vários perfis e procedências e, nesta época do ano, chega às prateleiras a nova safra dos azeites extra virgens nacionais, que têm se mostrado de qualidade excepcional. Para quem pode pagar, vale a pena sair do comum e experimentar novas combinações em busca do trio perfeito.

“A gente vê muita coisa escrita sobre vinho e comida”, diz Glenda Haas, diretora-geral e azeitóloga do Lagar H, empresa gaúcha que chega ao mercado este ano. “E agora estão aparecendo texto também sobre como harmonizar azeites com comida, mas nunca vi nada escrito sobre como harmonizar azeite e vinho”.

No entanto, na prática, se sabe que tem combinação que não dá certo, na qual um piora o outro.
Os azeites têm três elementos que devem ser considerados: o perfil aromático, o amargor e a picância. Segundo Glenda, há azeites suaves, médios e intensos, no que se refere ao amargor e à picância.

“Os diferentes cultivares de azeitona, assim como as castas das uvas, têm características próprias”, diz a azeitóloga. A picual, a coratina, a grappolo e a koroneiki, por exemplo, costumam dar azeites intensos. A arbosana, a hojiblanca e a cobrançosa, azeites de picância e amargor médios. A arbequina e a galega ou Maria da Fé (variante brasileira), azeites suaves.

“Mas isso varia dependendo da região, da safra (clima no ano), do modo de extração e, também, do ponto de maturação no momento da colheita”.

A azeitona colhida verde costuma render azeites mais picantes e mais amargos, com notas aromáticas mais herbáceas que lembram grama cortada, ervas frescas ou alcachofra, por exemplo. Quando colhida madura, produz azeites mais “adocicados”, delicados, que podem ter aromas de frutas secas, nozes e até baunilha.

Os azeites italianos costumam ser mais pungentes que os portugueses. Os gaúchos, mais verdes do que os da Serra da Mantiqueira. Uma azeitona forte pode render um azeite não tão intenso se ficar muito tempo na batedeira na hora da extração. Nos anos em que chove muito, as variedades intensas ficam mais delicadas.

Os aromas, a picância e o amargor, do azeite, assim como os aromas, o corpo e a textura do vinho, devem ser levados em conta na hora de combinar azeite e vinho.

“Mas não podemos esquecer que a combinação dos dois passa sempre pelo prato”, diz António Roquette, diretor de enoturismo da Herdade do Esporão, empresa portuguesa do Alentejo que produz uma boa variedade de vinhos e azeites, além de manter um dos restaurantes gastronômicos mais bem cotados da região.

“O prato modifica o azeite. É o prato quem manda na harmonização com o vinho”. A marca é uma das poucas importadas que já tem no mercado brasileiro a safra de azeites produzidos no fim de 2020.

“Azeite é um ingrediente”, diz a azeitóloga da Herdade do Esporão, Ana Carrilho. Segundo ela, é mito que não se deve cozinhar com azeite. Ele é a gordura mais saudável.

“Como todo ingrediente, o azeite usado para cozinhar muda a relação com o vinho”. Contudo, o que muda mesmo essa relação é o azeite usado para a finalização, aquele fio que se coloca depois do prato pronto. Pois, na cocção, as características dos ingredientes se fundem e se perdem um pouco.

A finalização é um tempero final. “Muita gente, por exemplo, coloca pimenta ou molho picante nas carnes vermelhas grelhadas”, diz Ana. “Se, em vez disso, você usar um azeite picante, funciona muito bem, ele envolve toda a carne”.

E o vinho escolhido para a carne com azeite picante não será o mesmo daquele escolhido para a carne simples. Tanto picância quanto amargor no azeite não vão bem com vinhos encorpados, de muitos taninos. As características se potencializam e podem ficar desagradáveis.

Bacalhau confitado em azeite virgem extra, creme de favas, tomate seco e hortelã, receita do livro português "Vítor Sobral com os Azeites" - Nuno Correia/Divulgação

“Eu sou muito chato com meus azeites”, diz o chef português Vítor Sobral, do restaurante Tasca da Esquina, um sucesso de Lisboa que também se instalou em São Paulo.

“Cada prato tem um azeite certo. Separo os azeites doces, feitos com azeitonas maduras, dos mais picantes e verdes. Com o bacalhau, não vai bem um azeite verde. Bacalhau já tem sabor intenso. O melhor para o bacalhau tampouco é o vinho tinto, mas, sim, o vinho branco”.

O chef é autor do livro “Vítor Sobral com os Azeites” (Casa das Letras, Portugal, 288 páginas, 30 euros). Confira a receita da foto acima no final desta reportagem.

“A gente precisa lembrar também que azeite é gordura”, afirma o chef Marcelo Giachini, responsável por testar receitas e harmonizações dos produtos importados pela Casa Flora, empresa que traz para o Brasil uma série de azeites especiais, como as linhas do espanhol Joseph Lorens e do chileno Deleyda.

“Qualquer comida gordurosa pede um vinho com boa acidez para limpar a boca. Espumantes também são ótimos para isso”, afirma.

No geral, quando a pessoa conhece as regras de harmonização do vinho, fica fácil combiná-lo com azeite. “Uma forma muito comum de harmonizar o vinho com os pratos é pela região de origem”, diz Fernanda Fonseca, criadora da Pandora Experiências de Vinho, série de eventos em torno de bebidas e comida.

“Costuma funcionar. A combinação de azeite, comida e vinho pode seguir esse mesmo critério. As regiões produtoras de vinho costumam também produzir azeite. E os dois produtos trazem características do terroir. Eu colocaria um azeite da Serra da Mantiqueira com um vinho da Serra da Mantiqueira e um azeite da Campanha Gaúcha com um vinho da Campanha Gaúcha.”

Cardápios harmonizados para a semana santa

Na sexta-feira santa, o bacalhau é uma tradição. No almoço do domingo, a carne vermelha está liberada. No feriado todo, o chocolate é a estrela das sobremesas

Bacalhau a lagareiro com batatas a murro
O lombo do peixe é assado no forno com muito azeite e alho. É servido com batatas assadas.
Aqui o azeite entra como ingrediente principal e em grande quantidade, por isso não pode ser muito intenso. O ideal é um suave como os varietais de arbequina, galega ou Maria da fé. Os blends portugueses também costumam ser delicados.
Como o prato é untuoso, o vinho precisa ter boa acidez e corpo, como um chardonnay ou um espumante da Bairrada.

Bacalhoada
Leva batatas, tomate, cebola, alho, azeitonas pretas, ovo cozido e, por vezes, pimentão. E bastante azeite.
Para o preparo, o melhor é um suave. Para finalizar, um fio de azeite de intensidade média, com alguma picância e algum amargor, como os das variedades grappolo ou cobrançosa.
Um vinho branco, como os da região do vinho verde, pode fazer frente aos aromas deste prato. Para quem prefere os tintos, o ideal é escolher algo com boa acidez como os vinhos do Dão ou um cabernet franc da Serra Gaúcha.

Pernil de cordeiro
Marinado no vinho tinto com ervas, alho e sal, o pernil de cordeiro ao forno deve ser assado no azeite suave.
Se a finalização for com um azeite de média intensidade, o vinho pode ser mais encorpado, como um tannat da Campanha Gaúcha ou do Uruguai.
Se for com um intenso, como picual, coratina ou koroneiki, o melhor é escolher um vinho tinto mais leve como um pinot noir ou um syrah de clima frio.

Carne grelhada
Cortes bovinos magros, como a maminha, o patinho ou o filé mignon, ficam muito bons apenas grelhados com azeite sem sal.
O suave vai no preparo. Para finalizar, um fio de azeite intenso e flor de sal.
O vinho aqui tem de ser tinto, mas não deve ter muito tanino ou madeira para não brigar com a pungência do azeite. Um pinot noir ou um gamay são boas escolhas.

Mousse de chocolate
Doces também combinam com azeite. Aqui há dois caminhos. Pela semelhança, escolhe-se um azeite suave com aromas de frutas doces.
Pelo contraste, um azeite intenso, com boa picância. Quem quiser ousar ainda mais, pode acrescentar flor de sal.
Nos dois casos, o vinho deve ser de sobremesa, como os do Porto e os da Madeira.

Bacalhau confitado em azeite virgem extra, creme de favas, tomate seco e hortelã

Receita do livro português “Vítor Sobral com os Azeites”

Tempo de preparação: 1h10
Porções: 10
Sugestão de vinho: verdelho do Alentejo

Ingredientes

Bacalhau

2kg de lombo de bacalhau dessalgado
10 dentes de alho com casca
Pimenta da Jamaica a gosto
20g de gengibre laminado
80g de tomate seco picado
Pimenta malagueta a gosto
Azeite extra-virgem maduro frutado (o quanto baste)

Creme de favas
250g de favas portuguesas congeladas
50g de bacon picado
80g de alho-poró picado
4 dentes de alho picados
100g de tomate em cubos
50ml de vinho branco
200 ml de caldo de galinha
30g de hortelã fresca
Azeite extra-virgem maduro frutado (o quanto baste)
Sal e pimenta a gosto

Modo de fazer

Bacalhau

Em uma panela grande, mergulhe o bacalhau até a metade em azeite. Junte todos os outros ingredientes. O bacalhau deve cozinhar lentamente em fogo muito brando para que o azeite não ferva (cerca de meia hora).

Creme de favas
Faça um refogado com o bacon, o alho-poró, o alho picado e o tomate. Acrescente o vinho branco e deixe reduzir. Adicione o caldo, deixe levantar fervura e junte as favas descascadas e a hortelã. Quando ferver de novo, leve ao liquidificador e acerte o tempero. Passe por uma peneira e sirva com o bacalhau por cima.

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