Restaurante paraense Lá em Casa não resiste à Covid

Arauto da gastronomia amazônida, estabelecimento funcionou por 49 anos em Belém do Pará

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São Paulo

Com um comunicado divulgado nesta quarta (24), a família Martins, de Belém do Pará, anunciou o fechamento do restaurante Lá em Casa, que durante 49 anos foi um arauto da cozinha paraense com fama internacional.

"Tentamos muito resistir, mas a situação pela qual o país passa e as incertezas do futuro, em decorrência da Covid-19, não nos permitiram continuar", diz a nota. Os produtos —pratos e ingredientes com a marca— seguem disponíveis em @epralevar e @maniocabrasil.

Quando o Lá em Casa nasceu, em 1972, a cozinha amazônida era pouco conhecida mesmo nas capitais do Brasil, embora o bioma ocupe metade do território nacional e seja uma reserva simbólica de tradições anteriores à colonização europeia.

Peixe defumado hadoque à paraense do restaurante Lá em Casa - Silvio Cioffi/Folhapress

Fundador do Lá em Casa com sua mãe —Anna Maria Martins, no porão da casa da família—, o arquiteto Paulo Martins tornou-se um incansável divulgador desta culinária.

Nos anos 1990, eu organizava em São Paulo um evento chamado Boa Mesa, com grandes chefs do Brasil e do mundo, e a cada ano convidava Martins para apresentar sua culinária.

Enquanto as salas com chefs franceses ou italianos se atulhavam de público, a da cozinha da Amazônia ficava quase vazia. Ainda assim, no ano seguinte eu novamente contratava (e pagava) o chef para divulgar sua cozinha, o que ele fazia com maestria: cobria a mesa com verduras e frutas nativas de sua terra, cozinhava, dava provas ao pequeno público.

Peru fatiado no tucupi com jambu, prato servido no restaurante Lá Em Casa, na Estação das Docas, complexo gastronômico e cultural na cidade de Belém, PA, em foto de 2009 - Janduari Simões/Folhapress

Na mesma época, Martins era o motor por trás de eventos em que recebia gente do Brasil e do mundo, como o Ver-o-Peso da Cozinha Paraense; participava de festivais e seminários pelo Brasil e pelo mundo; e colocou seu restaurante, e o Pará, nas páginas da grande imprensa internacional.

Com o tempo, ao lado dos pratos regionais tradicionais (pato no tucupi, maniçoba, pirarucu com açaí), ele adicionou ao cardápio variações de sua criação, como pupunha com recheio de queijo roquefort, arroz de jambu, arroz de tacacá, camarão rosa com creme de bacuri, pirarucu fresco com massa negra, pato no tucupi desfiado com arroz de tucupi e jambu com farinha d'água.

O chef de cozinha Paulo Martins, do restaurante Lá em Casa, segura prato de hadoque à paraense, em 2005 - Silvio Cioffi/Folhapress

Paulo Martins morreu prematuramente em 2010, aos 64 anos. A família manteve o restaurante, que passou a ser tocado pela viúva, Tania, e pelas filhas, Joanna e a chef Daniela.

Há mais de dez anos o Lá em Casa deixara seu endereço tradicional, mantendo o que era a filial num espaço ambicioso, a Estação das Docas, com vista para a baía do Guajará. A área enorme e o serviço self-service não tinham a ambiência "lá em casa" de quando ficava literalmente no porão da casa da família.

Panela de maniçoba no terceiro dia de cozimento, na cozinha do restaurante Lá em Casa, em foto de 2006 - Heloisa Lupinacci/Folhapress

Ao mesmo tempo, outros chefs e restaurantes começaram a despontar com excelência na região, como fruto direto do vigor que a família Martins imprimira ao cenário gastronômico local.

Em meio século, o Lá em Casa impulsionou a cozinha paraense no tabuleiro da gastronomia do Brasil e do mundo. Agora se vê abatido pelo cenário de pandemia, agravado por um governo que vitima brasileiros e mira a natureza e os povos da Amazônia, cuja cultura tão bem o Lá em Casa representou.

Erramos: o texto foi alterado

Na primeira versão deste texto, foi dito que a cozinha do paraense Lá em Casa era amazonense (referente ao estado do Amazonas). O correto é amazônida, referente à região da floresta.

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