Saber fritar ovos é crucial para sobrevivência no confinamento

Com o preço da carne na casa do chapéu, ovo se tornou o novo bife do brasileiro; chef que frita até 300 ovos por dia dá dicas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Quando o indivíduo é um verdadeiro inútil na cozinha, ele costuma se definir assim: “Não sei nem fritar um ovo”. Seus problemas acabaram! Hoje você vai aprender a fritar um ovo.

Ter noções elementares de cozinha se tornou questão de sobrevivência em tempos de pandemia —ainda mais quando as regras de distanciamento se arrocham, com a proibição do atendimento presencial nos restaurantes.

Preparar ovos é visto como uma tarefa simples, mas está longe de ser fácil fazê-lo direito. Agora que o ovo é o novo bife do brasileiro —comprar carne se tornou um luxo—, essa habilidade específica ganha importância inédita.

A culinária clássica francesa já louvava a majestade do ingrediente. “Dizem que na toque blanche, aquele chapéu plissado dos chefs, cada prega representa uma receita de ovos”, conta a Talitha Barros, do restaurante paulistano Conceição Discos (r. Imaculada Conceição, 151, Santa Cecília, tel.: 11-3477-4642; pedidos por telefone ou pelo aplicativo iFood).

Talitha Barros, chef da Conceição Discos, conta como fazer o ovo frito ideal - Gabriel Cabral/Folhapress

Lá, o ovo frito pode ser acrescentado a qualquer item salgado do cardápio. Em dias de muito movimento, Talitha chega a fritar 300 ovos.

Segundo ela, o sucesso da empreitada culinária começa na escolha dos ovos. O critério mais importante é o frescor. Há mercados que vendem ovos postos no mesmo dia. Com até cinco dias de idade, o ovo ainda está bastante fresco.

A cor da casca não altera absolutamente nada –apenas indica a raça da galinha. Algumas põem até ovos de casca azul ou esverdeada.

Já a tonalidade da gema varia de acordo com a ração que o animal come. Alguns criadores misturam corantes naturais ao alimento das aves —por consequência, a gema fica laranja ou avermelhada.

Thalita destaca ainda um componente político na compra dos ovos —está vendo como a coisa não é tão simples? “Eu só compro ovos de galinhas criadas livres, sem gaiolas”, afirma.

Nessa pegada de bem-estar animal, há ainda os ovos caipiras (de aves que ciscam em área aberta) e orgânicos. O consumidor é quem paga pela qualidade de vida da galinha: esses ovos têm preços mais altos do que os produzidos em granjas comuns, em que a aglomeração de bichos cria um ambiente estressante para as penosas.

O maior desafio de fritar um ovo é evitar que a película da gema estoure. O desastre pode acontecer na hora de quebrar a casca ou no momento de tirar a comida pronta da frigideira.

Por isso, a importância de uma boa frigideira com revestimento antiaderente. Tenha ainda uma espátula de silicone (se for metálica, vai riscar a panela).

Os ovos, assim como a carne, têm ponto de cozimento: podem ser malpassados (gema líquida), ao ponto (gema cremosa) ou bem passados (gema sólida).

Talitha Barros frita ovo em seu restaurante, o Conceição Discos - Gabriel Cabral/Folhapress

As autoridades sanitárias mandam evitar a gema mole, devido ao risco de contaminação por salmonela; a maior parte dos chefs, porém, considera a gema dura um atentado à gastronomia. Como resolver esse dilema?

“Milhões de pessoas comem ovos crus sem problema algum”, afirmam os autores da coleção de livros “Modernist Cuisine” (“Cozinha Modernista”, sem edição brasileira). “Mas, ocasionalmente, algumas ficam doentes.”

A obra, espécie de compêndio de investigações científicas na culinária, aconselha o leitor a pasteurizar os próprios ovos, “já que é tão fácil”. É só deixar os ovos em água a exatos 55 ºC por duas horas, depois guardá-los de volta na geladeira.

Talitha Barros frita ovo em seu restaurante, o Conceição Discos - Gabriel Cabral/Folhapress

O único problema da técnica é que ela requer o uso de um termocirculador, aparelho elétrico que aquece a água a temperaturas precisas e constantes. Se você não tem um, arrisque-se no ovo mole ou renda-se à gema dura.

Você pode escolher também o estilo do ovo frito. Preparado em fogo brando, ele fica com a clara macia; no fogo vivo, com óleo abundante, a clara adquire uma casquinha crocante.

No Conceição, a chef Talitha serve a versão macia, frita suavemente numa mistura de óleo e manteiga em partes iguais.

Para o ovo crocante, melhor usar só óleo. “Em temperaturas muito altas, a manteiga queima”, diz a chef. Ela recomenda o uso de óleo de milho ou de girassol. “O óleo de soja deixa um gosto muito forte para mim.”

Talitha Barros frita ovo em seu restaurante, o Conceição Discos - Gabriel Cabral/Folhapress

Em ambos os estilos, o bom fritador deve conter o próprio impulso de cutucar o ovo ou jogar gordura sobre ele. Deixe o cara quietinho, no canto dele, até ficar pronto.

“Se quiser a gema bem passada, é só tampar a frigideira”, ensina Talitha. O vapor que sobre do próprio ovo vai criar uma espécie de estufa. Outra opção para cozinhar a gema é virar o ovo com a espátula assim que a clara estiver sólida o bastante.

Ovo pronto, remova-o imediatamente do óleo quente. “As pessoas se esquecem de que o calor residual continua a cozinhar a comida”, diz a chef.

Sirva com pão quentinho, com cuscuz de milho ou com arroz. E abra um vinho para celebrar a independência culinária, agora que você já sabe fritar um ovo.

Erramos: o texto foi alterado

Em versão anterior deste texto, o nome da chef Talitha Barros estava grafado incorretamente como Thalita.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.