Melindrosas e singulares, trufas agora nascem no Brasil em dois lugares

Depois da Sapucay no sul, produtor acha a Bandeirantes na Mantiqueira

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São Paulo

Era um fim de semana tranquilo de maio. Com o restaurante Entre Vilas fechado em função da pandemia, o proprietário Rodrigo Veraldi, 47, decidiu matar o tempo cavoucando o terreno ao redor —uma fazenda de 35 hectares no cocuruto de São Bento do Sapucaí (SP), a 1.700 metros de altitude, onde ele planta uvas viníferas e frutas vermelhas, entre outras culturas.

“Já tinha participado de uma caça às trufas no Piemonte, na Itália, e voltei achando que tinha as condições ideais para encontrá-las aqui também”, conta.

‘Linguini Alla Parmigiana com Cubos de Mignon’ da Tartuferia San Paolo é feito com trufas Sapucay, que têm notas adocicadas que lembram castanhas e macadâmias
"Linguini Alla Parmigiana com Cubos de Mignon", da Tartuferia San Paolo, é feito com trufas Sapucay, que têm notas adocicadas que lembram castanhas e macadâmias - Divulgação

Não deu outra. Enxadinha na mão, Veraldi encontrou uma bolinha enrugada que lembrava as trufas que havia visto na Europa. Por dentro, a aparência marmorizada era mais uma pista.

“Na mesma hora, mandei uma foto para o Marcelo Sulzbacher e ele respondeu: ‘Parabéns, você achou uma trufa!’”

O aval de Sulzbacher tem peso. Professor do Centro de Ciências Rurais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e proprietário da empresa Terroir Sul, especializada na comercialização de cogumelos, ele foi o primeiro a encontrar trufas no Brasil, em 2016. Desde então, dedica-se a estudá-las.

Sua descoberta se deu em plantações de nogueiras-pecã nos municípios de Santa Maria e Cachoeira do Sul, região central do Rio Grande do Sul.

“Na época, já estavam encontrando trufas nos Estados Unidos e tudo indicava que haveria aqui também. Estamos no mesmo paralelo”, explica Sulzbacher.

Batizadas de Sapucay, as trufas encontradas no Sul são da espécie Tuber Floridanum, de coloração amarronzada, que têm notas adocicadas que lembram castanhas e macadâmias.

Proprietário da rede de restaurantes Tartuferia San Paolo, com duas unidades em São Paulo e uma em Porto Alegre (RS), Carlos Claro, 59, vem promovendo degustações da Sapucay desde 2019. A reação da clientela tem sido excelente, ele garante.

Agora, Claro se diz maravilhado com as trufas recém-descobertas na Mantiqueira, batizadas de Bandeirantes. “São mais claras e têm aroma mais pungente de alho. Lembram muito a trufa bianchetto italiana”, compara.

O entusiasmo de Claro pode ser medido em cifrões —trufas são um dos alimentos mais caros do mundo.

Melindrosas, podem ser encontradas em poucos países e dependem de uma conjunção de fatores ambientais para se desenvolver, como terreno úmido e temperatura baixa.

Os primeiros passos para que o Brasil entre no mapa da produção mundial já foram dados.

Em parceria com a empresa produtora de nozes-pecã Paralelo 30, Marcelo Sulzbacher está vendendo as Sapucay. Na temporada, de outubro a janeiro, serão comercializadas por cerca de R$ 6 mil o quilo.

Mas sua intenção é também expandir o setor com a venda de mudas já inoculadas com os esporos das trufas.

Com cerca de 50 centímetros de altura, as mudas custam R$ 300 e levam de três a oito anos para chegar à fase adulta, quando as primeiras trufas começam a aparecer.

“Aviso logo que não é uma cultura fácil, depende de muito conhecimento em agricultura”, diz o especialista, que também presta consultoria para os interessados.

Carlos Claro, por sua vez, pretende patrocinar a profissionalização da caça às trufas —como brotam sob a terra, coladas às raízes de nogueiras, carvalhos e aveleiras, o trabalho de encontrá-las depende de cães farejadores da raça Lagotto Romagnolo, que começam a ser criados em Atibaia, interior de São Paulo.

Importado da Croácia pela criadora Luiza Sobral, 25, em 2019, o casal Split e Lucas teve a primeira ninhada em janeiro. A raça é uma das mais tradicionais na atividade.

“Além do faro apurado, os cães traçam um mapa mental com a localização das trufas e, no ano seguinte, lembram onde encontrá-las de novo. Têm a boca delicada, que não destrói a trufa, e pelo denso e bem cacheado, que ajuda a proteger olhos e patas dentro das florestas”, diz Sobral.

A ideia de Claro é que os filhotes —quatro fêmeas e três machos, avaliados em R$ 8 mil cada um— sejam treinados para virar caçadores de trufas nacionais.

A propriedade de Rodrigo Veraldi, onde as trufas já brotam espontaneamente durante o outono, pode ser um dos cenários dos treinos dos cães.

O projeto é de longo prazo, pondera Claro, mas tem tudo para dar certo. “Nosso objetivo é difundir o consumo da trufa. Vejo a possibilidade de termos várias fazendas produtoras no Brasil dentro de uns 20 anos.

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