Paulistano se rende à dupla caipira de bolinho e pastel de milho

Receitas com status de patrimônio cultural viram especialidades de chefs

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

De tempos em tempos, o paulistano elege um salgado para chamar de seu. Já houve a fase do bolovo, a febre do arancini e a aparentemente interminável era da coxinha, só para citar os mais recentes. Tudo indica que, agora, é a hora e a vez do pastel de milho.

Ao contrário do que possa parecer, não se trata de um pastel recheado com os grãos. Neste caso, a farinha de milho é a base da massa.

Proprietária do restaurante Arimbá, na Pompeia, onde o pastelzinho sempre foi o petisco mais pedido, a chef Angelita Gonzaga o transformou em seu principal negócio durante a pandemia.

Bolinhos de queijo com urucum da chef Angelita Gonzaga - Luna Garcia/Divulgação

Sob a marca O Milhóó, os salgados são vendidos congelados e embalados a vácuo, para fritar em casa (de R$ 4,90 a R$ 5,20 a unidade), ou já prontos, para consumo imediato (de R$ 5,70 a R$ 5,90).

Angelita segue a receita tradicional de Itabirito, cidade mineira a 60 km de Belo Horizonte, onde o pastel de angu foi registrado como patrimônio imaterial do município e virou tema de festa anual.

“Lá se faz a massa cozida, como uma polenta sem sal nem tempero, feita com fubá. Mas a minha versão leva tempero!”, conta a chef.

São 10 opções de recheios, identificados pela cor da massa —o pastel de linguiça, por exemplo, ficou cor de rosa por obra da água de beterraba. O de queijo montanhês tem massa negra, colorida com carvão ativado.

A massa livre de glúten faz sucesso entre adeptos de dietas restritivas. Há uma versão vegana recheada de cogumelos que leva spirulina (alga).

Para garantir sabor mais potente, a chef usa fubá artesanal, moído na pedra, que confere textura mais granulada.

O processo de abrir a massa de angu exige perícia do cozinheiro —uma pequena quantidade de polvilho azedo ajuda na liga, mas não é suficiente para deixar a massa elástica.

“É chatinho de fazer, até eu passo raiva às vezes, porque a massa racha na hora de modelar”, Angelita entrega.

Apesar do grau de dificuldade, essa é também a forma de preparo adotada pelo chef Marcelo Corrêa Bastos, do Lobozó, que reproduz fielmente o recheio caipira típico de Minas Gerais: carne moída refogada com flor de bananeira, também conhecida como umbigo, em proporção meio a meio.

Pastel de milho com sotaque paulista? Também tem. O salgado é presença obrigatória nas festas de rua de São Luiz do Paraitinga. Lá, porém, recebe o nome de pastel de farinha, e é preparado de modo bem diferente.

Ex-moradora da cidade, a chef Heloísa Bacellar revela o segredo. “A massa do pastel de farinha é feita com farinhas de milho grossa, tipo biju, e de mandioca, ambas escaldadas em água quente. O luizense diz que pastel de angu é coisa de mineiro.”

O recheio obrigatório, diz Heloísa, é carne moída refogada com batata em cubinhos e salsinha. Mas o de queijo também tem seu fã-clube.

Ali por perto, ainda no Vale do Paraíba, o milho também é a principal matéria-prima de outro salgado típico que já chegou à capital: o bolinho caipira.

Ele é uma das especialidades do restaurante Casa da Tanea, da chef Tanea Romão —desde o início da pandemia, os bolinhos, assim como os pasteis de angu, são vendidos por encomenda, já fritos, em porções de seis unidades (R$ 35).

Ela conta que os bolinhos, em formato de quibe, têm recheio de linguiça, carne temperada com limão ou ora-pro-nóbis, na versão vegana.

“A massa é feita com farinha de milho grossa, escaldada com caldo de carne, de galinha ou de legumes”, ensina.

O que não falta no interior de São Paulo é bolinho caipira diferente —o salgado é a vedete das festas juninas do interior e cada cidade jura que sua receita é a melhor de todas.

Em Jacareí, onde foi registrado como patrimônio cultural, leva farinha de milho branca e recheio de carne bovina e suína misturadas.

No bolinho de São José dos Campos, entra farinha de milho amarela, farinha de mandioca e recheio de carne bovina moída bem refogadinha.

Em Itapeva, o bolinho de farinha de milho e polvilho ganha recheio de frango e recebe o nome de encapotado.

Escritor e pesquisador da culinária caipira, João Evangelista de Faria (1951-2015), conhecido como João Rural, acreditava que a origem dos bolinhos era a poqueca indígena: um pirão grosso de farinha de milho, misturado a peixinhos miúdos de água doce, como o lambari, envolto em folha de bananeira e assado sobre o fogo.

Poqueca do restaurante Lobozó. - Divulgação

A iguaria, como era feita pelos índios, é servida eventualmente como entrada no Lobozó. Mas a tese não faz sentido para o sociólogo Carlos Alberto Dória, autor dos livros “A culinária caipira da Paulistânia” (editora Três Estrelas) e “O milho na alimentação brasileira” (editora Alameda Editorial).

“A classe dos pratos envoltos em folha de banana ou de caetê é grande e nada garante que um bolinho de carne derive de um peixe, só pelo invólucro. Além disso, um é assado, e o outro, frito”, diz.

Ele também desmente a teoria de que a receita de pastel de angu foi criada pelos escravos, como forma de aproveitar sobras.

“Todos os pratos à base de farinha de milho nasceram em função da falta de farinha de trigo no Brasil colônia. Só que os brancos também faziam angu, ninguém tinha farinha de trigo para cozinhar.”

Seja qual for a origem do pastel e do bolinho, o fato é que a cidade de São Paulo, como é de praxe, abraçou as duas receitas como suas. A coxinha que se cuide.


PASTEL DE ANGU COM RECHEIO DE CARNE

(chef Angelita Gonzaga)

Rendimento: 40 unidades

Ingredientes

Recheio

  • 1 colher (sopa) de azeite
  • 50 g de cebola picadinha
  • 2 dentes de alho picadinhos
  • 1 kg de carne moída (patinho, acém ou coxão mole)
  • 2 folhas de louro
  • sal a gosto
  • pimenta-do-reino a gosto
  • 50 g de molho de tomate

Massa

  • 1 colher (sopa) de azeite
  • 50 g de cebola picadinha
  • 2 dentes de alho picadinhos
  • 750 ml de água
  • sal a gosto
  • ½ colher (café) de bicarbonato
  • 1 kg de fubá
  • 50 g de polvilho azedo

Modo de fazer

Recheio

Aqueça o azeite e refogue a cebola e o alho. Adicione a carne moída, o louro, sal e pimenta, mexendo até fritar bem. Por último, acrescente o molho de tomate e mantenha no fogo até o caldo secar. Reserve.

Massa

Aqueça o azeite e refogue a cebola e o alho. Adicione a água, ponha o sal, o bicarbonato e deixe ferver. Junte o fubá aos poucos, como se fosse uma polenta, sempre mexendo. Quando a massa descolar do fundo da panela, retire do fogo, passe para uma bancada lisa e deixe esfriar por 10 minutos, coberta com pano úmido. Incorpore o polvilho sovando a massa por cerca de 20 minutos, molhando as mãos para não grudar. Deixe descansar por 5 minutos e comece a moldar os pastéis.

Montagem

Com as mãos molhadas, pegue uma pequena porção de massa e modele um disco com as bordas ligeiramente levantadas, como se fosse uma tigelinha –não adianta usar rolo, porque a massa gruda e racha. Coloque o recheio e feche o pastel, amassando as bordas com os dedos –se preferir, use uma forma de fechar pastel. Frite em óleo quente, a 190°C, até que estejam dourados, ou na airfryer, a 220°C, por 11 a 15 minutos.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.