Sorvetes revivem anos 1990 com montagens gulosas, sundaes e tortas

Do milk-shake de pudim à dupla com cookies, casas capricham nos complementos e nos ingredientes naturais

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São Paulo

Basta uma circulada pelas sorveterias da Zona Oeste de São Paulo para notar algo relativamente novo nas cubas geladas. O sorvete de morango, por exemplo, não é mais rosa-chiclete, assim como o de pistache já não exibe aquele tom verde-fluorescente do passado.

Por trás dessa mudança está uma nova geração de sorveteiros que, nos últimos dez anos, se estabeleceu nos bairros paulistanos de maior vocação gastronômica e acabou mudando a cara e o sabor dos nossos verões.

O Baked Alaska da Gelato Boutique - Karime Xavier/Folhapress

Entre eles, há desde estreantes na profissão até chefs de cozinha consagrados —caso do catalão Oscar Bosch, sócio do restaurante Tanit e do Nit Bar de Tapas, que inaugura a sorveteria Mooi Mooi no Itaim Bibi nesta quarta (9).

Essa turma prefere começar suas receitas do zero e esconjura estabilizantes, emulsificantes e saborizantes industrializados. Os ingredientes são frescos, de preferência locais e da estação, sempre que possível comprados de pequenos produtores.

Uma das pioneiras, Marcia Garbin, da Gelato Boutique, começou a vender seus sorvetes em 2012, em carrinhos que percorriam feiras gastronômicas e festas. Ela lembra como o cenário era diferente na época.

"Até quem fazia sorvete mais ou menos tinha sucesso, porque os clientes mal conheciam os sorvetes artesanais", conta Garbin, hoje à frente de duas lojas, no Jardim Paulista e em Pinheiros.

Fernanda Bastos e Thomas Zande, da Frida & Mina, vieram logo depois. Abriram a primeira sorveteria em Pinheiros, em 2013, com a proposta de só usar ingredientes que também entram nas listas de supermercado –zero de bases industrializadas.

Hoje com duas unidades, ambas em Pinheiros, o casal vende sorvetes de morango com vinagre balsâmico e de laranja com praliné de castanhas-de-caju –na casquinha de biscoito artesanal, uma bola sai a R$ 14. Em um único domingo de calorão, chegam a sair até 1.200 unidades só na matriz.

Montagens cada vez mais gulosas são a bola da vez. Na Gelato Boutique, Garbin prepara sobremesas antigas que andavam sumidas, como as taças de sorvetes com doces e caldas (R$ 29 cada uma) e o baked alaska (R$ 29): sobre uma base de pão-de-ló, o sorvete é coberto por merengue italiano e tostado no maçarico.

Na Mooi Mooi, Bosch tritura ingredientes junto com os sorvetes. É possível escolher uma receita da casa, como o king kong, que leva sorvete de banana triturado com sablé (massa crocante) de noz-pecã, cubinhos de banana desidratada e suspiros (R$ 21), ou fazer a mistura a gosto.

Na Sorveteria do Centro, que o casal Jefferson e Janaína Rueda abriu em 2018, os sorvetes são do tipo soft, aquele ultracremoso das lanchonetes fast food, mas em produção 100% artesanal.

As casquinhas produzidas na casa ganham diferentes cores pela adição de espinafre, cacau, beterraba ou carvão mineral. Maiores do que o tamanho convencional, acomodam outros ingredientes –no geladão (R$ 25), o sorvete de leite quase desaparece sob camadas de bolo gelado, musse de coco, coco crocante, poejo, calda de abacaxi e chocolate branco com coco.

"Quando era criança, adorava tomar sorvete cheio de confeitos na Alaska. Essa foi nossa inspiração", diz Janaína.

A saudade dos sorvetes da infância também guiou o casal Larissa Schutze e João Naufal, que inaugurou a sorveteria Pinguina em 2019.

"Não queria lançar mais um gelato italiano cremoso. Preferia vender um autêntico sorvete brasileiro, que formasse bolas", explica Schutze.

Em uma máquina de 1968 restaurada, a dupla bate sorvetes de mangas colhidas na fazenda da família e café da torrefadora Tocaya, entre outros sabores. Frutas como cupuaçu, graviola, seriguela, goiaba, jabuticaba e cajá aparecem quando estão na época (R$ 12 a bola).

Na última semana de janeiro, entraram em cartaz os milk-shakes (R$ 28) –o de pudim de leite é batido com o doce da Pudim do Olim. Também é possível combinar os sorvetes com brownie ou cookie assados lá. Para bebês e cães, tem picolé de fruta pura, batida sem traço de açúcar.

Na sorveteria Pine Co., que funciona desde 2018 em Pinheiros, quem responde pela criação dos sabores é o descendente de coreanos Raphael Lee. Ele se define como um camaleão –muda ao sabor dos ingredientes e ideias que vão surgindo.

A novidade é o sorvete de yuzu, frutinha cítrica originária da Ásia (R$ 14 a bola). Mas Lee já transformou até infusão de charuto em sorvete.

"É muito divertido brincar com os sabores. No começo, eu atravessava a rua, entrava no hortifruti e fazia sorvete com o que achava no dia. Só o de charuto não pegou. As pessoas gostam de novidade, mas não tanto", acha graça.

A busca por ingredientes naturais ultrapassa o sorvete em si e chega às embalagens. Na Albero dei Gelati, filial de uma sorveteria familiar fundada na Itália, os copinhos são de fécula de mandioca (R$ 14 o pequeno). Em contato com água ou terra, se decompõem em, no máximo, 30 dias –e são até comestíveis.

Ex-funcionária da matriz, Fernanda Pamplona recebeu carta branca dos sócios italianos para adaptar os sorvetes ao gosto paulistano. O de ricota com marmelada, por exemplo, virou ricota com doce de leite.

Pamplona garimpa seus ingredientes entre produtores artesanais para chegar ao conceito que ela chama de "sorvete agrícola" –um dos sabores mescla queijo da Capim Canastra, mel da Heborá e castanhas-de-caju da Matury Cajucultura.

O leite fresco e o creme de leite, as duas principais matérias-primas da sorveteria, são entregues semanalmente pelo projeto orgânico Terra Límpida, conduzido por produtores rurais italianos no município de Cassia dos Coqueiros (SP).

Até sabores bem italianos foram abrasileirados. O sorvete de stracciatella, recheio cremoso da burrata, aparece sob uma camada generosa de goiabada. "Encho a vitrine de cor, para derrubar o mito de que sorvete saudável não tem sabor", diz Pamplona.

Fazer sorvete do zero dá muito mais trabalho. Na indústria, é farta a oferta de produtos baratos, como o estabilizante, que evita a formação de cristais de gelo, e o emulsificante, que garante a cremosidade.

Segundo Francisco Santana, proprietário da Escola Sorvete, receitas livres de tais produtos exigem mais conhecimento técnico do sorveteiro. "Dizem não ser possível fazer sorvetes sem eles, o que não é verdade. Mas é preciso saber balancear muito bem os ingredientes", afirma.

A opção por produzir sorvetes 100% naturais ajuda a conquistar um time crescente de consumidores: os veganos. Em tese, todos as receitas à base de água, com frutas e açúcar, atendem a esse público. Em contrapartida, fica mais difícil de agradar à turma fit ou aos diabéticos, já que o açúcar é um ingrediente chave para a obtenção da textura.

"O que faço é produzir sorvetes com pouco açúcar, entre 18% a 20%. Mas, se quiser eliminá-lo totalmente, terei que usar adoçantes, o que prefiro não fazer", explica Pamplona.

A saída, nesse caso, seria produzir picolé –um segmento que as sorveterias paulistanas ainda exploram pouco. Nem mesmo Francisco Santana, um grande entusiasta da ideia, pôs picolés artesanais à venda no delivery de sua fábrica-escola, atualmente focado nos sorvetes cremosos em potes (R$ 39,90, com 400 gramas) e nas tortas de sorvete (de R$ 89,90 a R$ 99,90), outra moda retrô recuperada.

Segundo ele, a concorrência dos picolés produzidos em fundo de quintal, por preços muito baixos, e o "trauma da paleta mexicana", que fez muito empreendedor quebrar, têm impedido que esse segmento também deslanche. Quem sabe para o próximo verão?

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