Festival de cinema oferece degustação de pratos e drinques relacionados a filmes

Com sessões gratuitas e 48 títulos, SP Food Film Festival tem macarrão ao final de 'Estômago'; evento quer debater alimentação

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São Paulo

Que paulistano ama comer, ninguém duvida. Mas, até semana que vem, os moradores da cidade mais gastronômica do país vão poder fazer uma longa imersão no seu assunto predileto de forma inédita: no cinema.

De quarta (5) até 12 de outubro, São Paulo sedia a primeira edição do SP Food Film Festival. Com 48 filmes de 15 países, a programação híbrida e gratuita, parte presencial e parte online, inclui 17 filmes de ficção e 31 documentários, entre produções antigas que a gente adora rever e outras novas em folha.

Cena do filme 'Estômago', um dos títulos que serão exibidos no festival - Divulgação

Todas as obras de ficção serão exibidas em sessões presenciais, divididas entre as salas do Espaço Itaú de Cinema, na rua Augusta, e a Cinemateca Brasileira, na Vila Clementino. Basta chegar uma hora antes para retirar o ingresso, que vai dar direito a degustar, no fim do filme, a bebida ou o prato relacionado à história.

Vai ter boeuf bourguignon depois de "Julie & Julia" (Estados Unidos, 2009), morangos com chantilly depois de "Vatel – Um Banquete Para o Rei" (França, Reino Unido e Bélgica, 2000) e macarrão à putanesca ao final de "Estômago" (Brasil, 2007).

Quem assistir "Tampopo - Os Brutos Também Comem Spaghetti" (Japão, 1985) vai comer lámen ao final da sessão, enquanto aqueles que forem ver "Tomates Verdes Fritos" (EUA, 1991) experimentarão... tomates verdes fritos. Para brindar "Sideways: Entre Umas e Outras" (EUA, 2004), taças de vinho serão servidas depois do filme.

Para as crianças que assistirem à animação "Ratatouille" (Estados Unidos, 2007), a degustação de macarrão vem acompanhada de oficina de stop motion.

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Cena do filme 'Lámen Shop' (Singapura/Japão/França, 2018) - Divulgação

A proposta do evento, porém, não é apenas cultuar a boa comida. Outubro é o Mês da Alimentação, de acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), e a curadoria dos filmes tem como objetivo chamar a atenção para temas relacionados a cultura, meio ambiente e insegurança alimentar.

"Numa época em que se fala tanto de fome, precisamos levantar essas discussões importantes. Cinco documentários exibidos online serão seguidos de debates sobre agricultura e fome, gênero na cozinha, comida ancestral, desperdício, consumo consciente e economia solidária", pontua André Henrique Graziano, que assina com Daniela Guariba a criação do festival.

Enquanto a ficção diverte e abre o apetite, os documentários representam uma oportunidade para conhecer as tradições alimentares do Brasil profundo e sua estreita relação com a comida que chega ao nosso prato —e ainda observar chefs famosos em situações bem diferentes das usuais.

O documentário "Claude: Além da Cozinha", dirigido por Ricardo Pompeu, acompanha uma viagem de férias do chef francês Claude Troisgros. De moto, ele percorre lugarejos remotos de quatro estados do Nordeste, ao longo do rio São Francisco. Come e cozinha nas casas enquanto compartilha trechos bem-humorados de sua trajetória.

As imagens foram captadas ao longo de 15 dias por um câmera man motociclista, que o acompanhou por 2147 quilômetros. Elas mostram Claude trocando o capacete pelo chapéu de cangaceiro, a moto por um cavalo e preparando carne de bode no vinho.

"O combinado era não ter muita produção. Bastante coisa aconteceu de forma verdadeira, improvisada", contou o chef à Folha.

André Mifano, chef do restaurante Donna e apresentador do programa "Sabor em Jogo" (GNT), também saiu da cozinha para registrar uma viagem em documentário. "Em Busca da Essência na Cozinha", dirigido por André Barmak, acompanha a temporada que ele passou na Enseada da Baleia, comunidade caiçara da Ilha do Cardoso, litoral sul paulista.

Ao longo de dois meses, em 2019, Mifano teve a chance de participar da pesca de cerco, cortar cana para preparar rapadura e desossar um porco para fazer carne na lata. "Gosto de ter contato com o mundo da comida que não é o mundo da gastronomia. Voltei mais humilde, admirando essas pessoas ainda mais", diz o chef.

Produzido em 2014, o documentário "Agricultura Tamanho Família", de Silvio Tendler, não poderia ser mais atual —oito anos atrás, o cineasta já defendia que o agronegócio não é mais importante do que a agricultura familiar para garantir a segurança alimentar do brasileiro.

"Continuamos equivocadamente batendo na mesma tecla ao achar que o agro produz o alimento no Brasil. Não sou preconceituoso, os dois movimentos devem conviver, mas o agro produz em alta escala para exportação. Quem bota comida na nossa mesa é o pequeno agricultor."

Bem mais recente, o documentário "Agricultura Guarani", de Fellipe Abreu e Patrícia Moll, foi produzido em 2022 e conta a história dos indígenas da etnia Guarani. No extremo sul da cidade de São Paulo, nas franjas da maior metrópole brasileira, eles conseguiram recuperar terras degradadas pela monocultura do eucalipto através do cultivo de mais de 200 variedades de vegetais.

Da mesma dupla, "Dois Riachões: Cacau e Liberdade" mostra como moradores do assentamento no sul da Bahia escaparam do trabalho análogo à escravidão e lançaram a própria marca de chocolate.

De 2021, o curta já conquistou nove prêmios em festivais do Brasil, Itália e Argentina.

A temática social também serve de pano de fundo para o documentário "A Grande Ceia Quilombola" (Brasil, 2017), de Ana Stela Cunha e Rodrigo Sena.

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Cena de 'A Grande Ceia Quilombola', que faz parte do SP Food Film Festival - Divulgação

Depois de morar por quase dois anos no Quilombo de Damásio, no Maranhão, Ana Stela assustou-se quando os alimentos industrializados começaram a ameaçar as tradições do quilombo.

"Eles tinham memórias sobre comidas que já não comiam, e de coisas que já não plantavam, porque a branquitude se impôs em várias ocasiões ao longo da história do quilombo", diz.

"Certa vez, padres italianos estimularam a plantação de berinjelas como forma de obter renda, mas ao final os quilombolas não sabiam o que fazer com tanta berinjela. Era um alimento que não dizia nada para eles. Comida tem que envolver afeto e memória."

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