Para evitar internação de menores, Justiça reúne vítima com infrator
O Tribunal de Justiça de São Paulo passou a adotar no final deste ano o método conhecido como justiça restaurativa para resolver conflitos envolvendo adolescentes infratores na capital paulista.
Nesse modelo, agressor e vítima são colocados frente a frente, numa roda, para que o primeiro entenda os traumas e as consequências do seu ato de violência. Depois, as partes tentam entrar em acordo para que o adolescente repare sua infração.
Um dos objetivos é reduzir o número de medidas socioeducativas aplicadas a jovens envolvidos em casos de agressão, bullying e furtos.
Eduardo Anizelli/Folhapress | ||
Ana Cristina Gagliardo, 43, de Tatuí (SP), acolheu um menor de idade que assaltou sua casa |
Apenas nos cinco primeiros meses deste ano, a Polícia Militar realizou, em média, uma apreensão em flagrante a cada três horas na capital. Nesse período, foram 1.333 casos, ou pouco mais de 10% do total registrado na cidade.
Normalmente, quem comete infrações mais graves, como nos casos de roubo, é alvo de outras ações, como internação na Fundação Casa.
A justiça restaurativa subverte a lógica da punição como forma de combate à violência. Para juízes e promotores da área, encarceramento nem sempre funciona, pois a pena é vista como uma "dívida" a ser paga, e não há reflexão sobre as transgressões
"A pessoa é presa e não vê sua responsabilidade. Diz 'vou pagar minha pena e sair zerado'", afirma o juiz Egberto Penido.
Na 1ª Vara da Infância e Juventude, no Brás (centro), onde atua, ele faz 20 audiências por dia. "O sistema punitivo não tem sido eficaz. Basta ver os altos índices de reincidência em nossos presídios."
A justiça restaurativa começou a ser aplicada em 2006, em cidades do Estado de São Paulo, do Rio Grande do Sul e do Distrito Federal.
Na capital paulista, iniciou com casos de menor gravidade da Brasilândia, na zona norte. Policiais e professores de nove escolas foram treinados com conceitos do modelo ao longo deste ano.
Agora, o tribunal e o Ministério Público de SP esperam expandi-lo para outros locais e aumentar o alcance das infrações -poderia ser aplicado em roubos, normalmente em casos sem reincidência.
CONSCIÊNCIA
O procedimento da justiça restaurativa começa com uma consulta à vítima do crime. Técnicos do TJ perguntam se ela aceita participar de um "círculo restaurativo". A reunião é uma espécie de autoanálise com participação do infrator, vítima, parentes e membros da comunidade. O juiz não comparece.
Nesse encontro, a vítima conta os prejuízos e traumas causados pela ação. Por sua vez, o infrator tenta explicar suas motivações -seus parentes contam um pouco da história de vida da família.
Depois dessa fase, chega-se a um acordo de reparação. Um jovem acusado de furto pode, por exemplo, ter de devolver o valor subtraído, participar de projetos sociais ou fazer uma campanha de conscientização na escola.
"Tomar consciência dos seus erros e dos danos que causou ao outro é um processo doloroso", diz Marcelo Salmaso, juiz em Tatuí (a 141 km de São Paulo). "Há pessoas que desistem e pedem para serem julgadas normalmente."
Tatuí, utiliza o modelo desde 2013. Ana Cristina Galhardo, 43, moradora da cidade, adotou o adolescente Pedro após um processo de justiça restaurativa. Ele assaltou a casa dela com uma arma de brinquedo, roubou um celular e, após ser detido pela polícia, pediu perdão e ambos fizeram um acordo.
O método usa o conceito de corresponsabilidade, ou seja, não só o infrator é o "culpado" por uma transgressão, mas toda a sociedade.
"Se um adolescente faz bullying, ele é o único culpado? Será que ele mesmo já não foi vítima?", afirma o juiz.
Tatiana Callé, promotora da infância em SP, tem esperança de que o sistema reduza a criminalidade. "Muitas vezes, o adolescente vai deixar de praticar infrações mais porque tomou consciência do mal que causou do que pelo medo da punição", diz.
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