Projeto leva grafite a casas e comércios de São Mateus, na zona leste de SP
Em meio à polêmica do prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), de apagar grafites da cidade e declarar guerra aos pichadores, um projeto ganha força por não deixar essa arte morrer em São Mateus (zona leste).
O Favela Galeria tem colorido as ruas daquele distrito desde 2009. Grafiteiros da região e de outros cantos da capital são convidados a usar os muros das casas e do comércio local como uma tela para exporem sua arte. Tudo é feito com autorização dos proprietários.
"São Mateus é considerado um dos bairros mais perigosos da capital, é abandonado e esquecido. Mas com a grafite nas ruas, temos causando um impacto positivo e mudando essa imagem. Tudo isso por causa da nossa necessidade de se comunicar", conta um dos curadores do Favela Galeria, Carlos Moreira, o Toddy, 31 anos, do Grupo Opni (Objetos Pichadores Não Identificados).
Ele explica que o Favela Galeria traçou rotas do grafite em pelo menos dez ruas da Vila Flávia, bairro do distrito de São Mateus. "É como um grande mural a céu aberto. São mais de cem artistas em mais de cem muros. Deu cor e vida para aquelas ruas", conta Toddy.
Robson Ventura/Folhapress | ||
O comerciante Milton Ferreira Mendes teve sua adega decorada com grafite, em São Mateus |
O comerciante Milton Ferreira Mendes, 54 anos, aprovou o resultado do grafite em sua Adega do Miltão. "Valoriza a nossa quebrada e atrai clientes. Só me ajudou."
COLORIDO BACANA
A moeda de troca para pagar o trabalho dos artistas é variada. Pode ser um churrasco, uma ajuda de custo para a passagem ou o material. Em alguns casos, a ajuda é voluntária. É o caso do artista plástico e grafiteiro José Augusto Amaro Handa, o Zezão, 45 anos. "Houve um evento no bairro e deixei minha marca no muro de um córrego que eles estão recuperando. Além disso, vou doar um quadro para a galeria física que eles estão construindo. O bairro está ganhando um colorido muito bacana", conta o artista, que mora na Vila Madalena (zona oeste).
SURPRESA
Moradora de São Mateus há mais de 30 anos, a diarista Cleunice da Silva, 50 anos, virou celebridade no bairro. Tudo porque seu rosto está grafitado em muro da rua Alfredo Sassi, em obra feita há cinco anos. "Estava passando na rua quando uma moça olhou para mim e me elogiou. Fui para casa e, tempos depois, meu marido veio me dizer que o meu rosto estava pintado na parede de um bar aqui na vizinhança", conta.
Mesmo com todos do bairro afirmando ser realmente ela no grafite, Cleonice custou acreditar. "O pessoal dizia que era eu, mas eu falava que não. Só passei acreditar quando um dos responsáveis pelo grafite me contou", diz.
A diarista tomou partido na polêmica entre o prefeito João Doria (PSDB) e os grafiteiros. "Grafite não é sujeira. Sujeira é pixação!", afirma.
A filha dela, Verônica da Silva, 19 anos, aprovou o resultado final. "Foi uma bela homenagem para uma pessoa que saiu de Maceió, em Alagoas, e batalhou muito nessa vida", diz a jovem.
FACHADA
O articulador cultural Fernando Rodrigo de Carvalho, o Negotinho, 36 anos, vive com a mãe em uma casa na Vila Flávia, em São Mateus (zona leste de São Paulo).
Na residência em que mora a família, a mãe dele emprestou um espaço para que ele concretizasse o sonho de ter uma espécie de centro cultural. Foi aí que surgiu o projeto São Mateus em Movimento, de oficinas para crianças do bairro.
Robson Ventura/Folhapress | ||
Fernando Rodrigo de Carvalho, o Negotinho, mantém um centro cultural em São Mateus (zona leste) |
"É um espaço onde trabalho e moro. Já estava muito legal, mas ficou ainda melhor depois que grafitaram. Minha mãe deixou de boa. As crianças notaram e absorveram aquela cultura."
Para a digitadora Paula Souza, 36 anos, a arte que o Grupo Opni (Objetos Pichadores Não Identificados), junto com a Favela Galeria, faz nos muros do bairro, revela o crescimento na comunidade. "A pintura deles nos muros aqui do bairro, e na minha casa, é muito admirado. Essa arte vem sendo bastante valorizada na comunidade. Isso enaltece nosso bairro", diz.
QUALIDADE
Os especialistas são unânimes em elogiar os grafites "bem-feitos" nos muros da capital paulista. Descrevem essa atividade como uma manifestação artística.
"O grafite inseriu a população de baixa renda no contexto da arte", afirma Luciana Brasil, professora de arquitetura e urbanismo da Universidade São Judas Tadeu. Para ela, nem todos entendem a linguagem. "Há algumas manifestações sem qualidade artística."
O grafite é feito sem autorização e, para os artistas, pedir permissão vai contra a essência dessa arte.
O professor Marcelo Oliveira, coordenador do curso de design do Mackenzie, diz que é preciso pedir. "Não se pode fazer intervenção sem autorização. Tudo tem que ter regulamentação, senão vira bagunça". Para Luciana, poderia ter havido mais diálogo com o poder público.
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