Presidente do Ipea defende posse de armas e discorda de estudo do órgão

Declarações de gestor provocaram constrangimento durante divulgação do mapa da violência no Brasil

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo | do UOL

Em novo episódio de colisão entre o governo Bolsonaro e estudos abrangentes realizados por órgãos públicos respeitados, o presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada),  Carlos von Doellinger, rejeitou trechos do Atlas da Violência 2019,  pesquisa elaborada pelo órgão em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

No lançamento do estudo, na quarta (5), ele afirmou discordar do diagnóstico feito pelos pesquisadores do impacto da flexibilização da posse e do porte de armas por decretos do presidente Jair Bolsonaro (PSL).

Carlos Von Doellinger, presidente do Ipea
Carlos Von Doellinger, presidente do Ipea - Ricardo Borges/Folhapress

Von Doellinger foi nomeado para o cargo por indicação do ministro Paulo Guedes (Economia), depois de fazer parte da equipe de transição do governo Bolsonaro. Pesquisador aposentado do Ipea, atuou como secretário do Tesouro Nacional durante a ditadura militar (1964-1985) e foi secretário-geral adjunto do Ministério da Fazenda no primeiro ano do governo Sarney (1985).

"Na minha posição pessoal, e aqui vou falar como cidadão, não como presidente do Ipea ou economista, mas por uma questão de princípio, me incomoda a impossibilidade de o cidadão ter uma arma em defesa de sua integridade física, do seu patrimônio. Acho que esse é um direito que o cidadão deve ter na minha opinião", disse von Doellinger a jornalistas durante entrevista para apresentar o estudo.

O presidente do Ipea afirmou discordar da forma enfática como o estudo descreve a influência das armas de fogo nos homicídios. Ecoando o discurso do presidente, afirmou que a posse de armas deve ser permitida ao "cidadão de bem, sem registro criminal".

Após sua explanação, Carlos von Doellinger deixou a mesa onde era feita a apresentação e sentou-se junto à plateia de jornalistas, na primeira fileira. Porém, deixou o local antes que os pesquisadores terminassem suas apresentações.

Diante das declarações, Daniel Cerqueira, pesquisador do Ipea e coordenador do Atlas, e Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, negaram interferências da direção do Ipea na elaboração da pesquisa.

"Vou ter que abrir meu coração para vocês e dizer o quanto me orgulho de trabalhar no Ipea. O Ipea hoje deu uma aula de democracia. O presidente deu sua opinião sobre um ponto do Atlas, mas em nenhum momento tentou mudar ou interferir", afirmou Cerqueira.

Durante a apresentação, Cerqueira e Bueno criticaram os decretos de Jair Bolsonaro sobre armamento.

Em janeiro, o governo flexibilizou a posse de armas, acabando, na prática, com a necessidade de justificativa de real necessidade para a compra de armas. No começo de maio, outro decreto flexibilizou as regras para o porte de armas —permissão para que cidadãos possam transitar com armamento. As mudanças são contestadas no STF (Supremo Tribunal Federal).

Cerqueira destacou que a aprovação do Estatuto do Desarmamento, em 2003, reduziu o ritmo de crescimento das mortes violentas no país. Para ele, os decretos de Bolsonaro ampliam o risco de homicídios no país.

O Atlas da Violência mostra que as armas de fogo estão intimamente ligadas a casos de feminicídio. Com base nos dados pormenorizados dos homicídios contra mulheres, o estudo mostra que 28,5% dos assassinatos de mulheres em 2017 ocorreram dentro de casa.

Segundo pesquisas internacionais, esses crimes são cometidos quase sempre por pessoas íntimas, como companheiros e familiares. Grande parte dessas mortes é provocada por armas de fogo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.